O Estado é responsável pelo custo da plataforma da reforma tributária

A possível cobrança pelo acesso ao novo sistema fiscal pode se tornar um entrave para a digitalização da economia
Se o Brasil deseja se consolidar como uma potência tecnológica, precisa investir na digitalização e na simplificação de processos para empresas e cidadãos. A possível cobrança pelo acesso ao novo sistema tributário e fiscal, no entanto, pode representar um entrave para esse avanço. A medida criaria um custo adicional para empresas de tecnologia, escritórios de contabilidade, usuários do sistema e seus clientes, afetando diretamente a competitividade e aumentando a burocracia para os negócios.
Se a proposta for adiante, empresas e cidadãos passarão a pagar pelo acesso a um serviço que já financiam por meio de impostos. A digitalização dos processos fiscais e tributários é fundamental para modernizar a economia, reduzir a burocracia e impulsionar a competitividade do país. No entanto, a criação de uma cobrança para o uso da plataforma governamental desenvolvida pelo Serpro representa um retrocesso e um custo de transação adicional que recairá sobre quem já arca com uma alta carga tributária.
A medida é preocupante porque transforma um direito em um serviço cobrado. A digitalização dos serviços públicos deve ser um investimento do Estado, e não uma oportunidade de arrecadação. Caso a tramitação siga adiante e a implementação da cobrança concretizada, criar-se-á um precedente para que outros sistemas essenciais, como eSocial e Gov.br, por exemplo, passem a ter tarifas de acesso, onerando ainda mais empresas e cidadãos.
O setor de tecnologia vê a proposta com apreensão. Empresas de software, escritórios de contabilidade e prestadores de serviço fiscal e tributário terão de absorver um custo extra para continuar operando dentro das regras do governo. Na prática, esse valor será repassado a clientes e consumidores, elevando os custos de transação para pequenas e médias empresas, que já enfrentam dificuldades para manter a regularidade fiscal.
Em vez de facilitar a vida dos empreendedores, a medida adiciona mais um obstáculo, tornando o ambiente de negócios no Brasil ainda mais complexo e oneroso.
Atualmente, o sistema está em fase de concepção, no entanto, a tabela de preços do Serpro já é pública, e a expectativa é que a cobrança seja oficializada, conforme manifestações neste sentido. O governo argumenta que a plataforma representa um avanço na modernização dos serviços públicos, mas a questão central permanece: por que cidadãos e empresas deveriam pagar novamente por um serviço que já financiaram? A proposta não apenas contraria a lógica da digitalização como instrumento de eficiência estatal, mas também desestimula a inovação e cria barreiras para a modernização do setor produtivo.
Países que investem em tecnologia como estratégia de crescimento garantem o acesso a serviços digitais como um direito, sem custos adicionais. No Brasil, no entanto, a cobrança pelo uso da plataforma fiscal pode afastar o país desse caminho, limitando seu potencial e sua evolução. Se a medida avançar, o Brasil corre o risco de transformar uma oportunidade de digitalização da economia com a reforma tributária em mais um peso para quem já carrega um sistema tributário complexo e ineficiente.
O foco deve ser a criação de soluções que simplifiquem a vida de cidadãos e empresas, e não o aumento de custos e complexidade. Para que o Brasil se consolide como uma potência tecnológica, as políticas públicas precisam impulsionar a inovação, em vez de criar obstáculos que desestimulam o crescimento. A digitalização dos serviços fiscais deve ser encarada pelo Estado como uma estratégia para otimizar processos, reduzir custos, aumentar a transparência e melhoria dos serviços.
Para que isso se concretize, o Estado precisa internalizar os custos dessa transformação digital, evitando transferir um ônus extra para a sociedade, pois o simples aumento da eficiência racionalizará os recursos. O exemplo de outros países é claro: o acesso a plataformas governamentais essenciais, como as de cumprimento fiscal, deve ser gratuito e acessível, sem cobrança aos indivíduos ou as companhias. Caso contrário, a digitalização que é bem-vinda não se concretizará, desperdiçando a oportunidade trazida pela reforma tributária.
Sergio Sgobbi – Diretor de Relações Institucionais e Governamentais na Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação)
Fonte: Jota