Aumento do IOF por decreto é, em princípio, legal e constitucional

Embora falta de diálogo público e de uma AIR sejam fragilidades políticas, análise legal aponta para legitimidade do ato
O presidente da República editou no último dia 22 o Decreto 12.466, que alterou o Decreto 6.306, responsável por regulamentar o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF).
No dia seguinte, o Decreto 12.467 modificou a medida inicial, afastando a redução de alíquotas para operações de câmbio específicas relacionadas a transferências internacionais e fundos de investimento no mercado externo.
As principais alterações nas alíquotas do IOF introduzidas pelo Decreto 12.466 foram as seguintes:
- Operações de Crédito (Empréstimos e Financiamentos): Para Pessoas Jurídicas (PJ), a alíquota fixa para contratação de crédito aumentou de 0,38% para 0,95%. A alíquota diária subiu de 0,0041% para 0,0082%, elevando o teto anual de 1,88% para 3,95%. Empresas do Simples Nacional viram o teto anual subir de 0,88% para 1,95% (com alíquota fixa de 0,38% para 0,95% e diária de 0,00137% para 0,00274%). Microempreendedores Individuais (MEI) mantiveram a alíquota fixa reduzida de 0,38% e a alíquota diária do Simples. Cooperativas de Crédito com operações acima de R$ 100 milhões/ano passaram a pagar IOF com alíquota anual de 3,95%, enquanto operações menores continuam isentas. Operações de Risco Sacado/Forfait, antes sem tributação clara, foram classificadas como operações de crédito e passaram a ser tributadas;
- Operações de Câmbio: A alíquota para compras internacionais com cartão (crédito, débito, pré-pago) e remessas ao exterior foi unificada em 3,5%, interrompendo a redução gradual que zeraria o IOF até 2028/2029. A alíquota anterior era de 3,38% para cartões e 1,1% para compra de moeda em espécie. Empréstimos externos de curto prazo (até 360 dias) passaram de isentos para 3,5%;
- Seguros e Previdência (VGBL): Planos VGBL com aportes mensais acima de R$ 50 mil passaram a recolher 5% sobre o excedente, com aportes menores permanecendo isentos; e
- Investimentos de Renda Fixa: O IOF em resgates de CDB, Tesouro Direto, LC e fundos DI com menos de 30 dias continua regressivo (de 96% a 0% sobre o rendimento). Títulos como LCI, LCA, CRI, CRA e poupança continuam isentos, independentemente do prazo.
Uma das justificativas do governo para a elevação das alíquotas foi o cumprimento das metas de resultado primário estabelecidas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), em obediência à Lei Complementar 200, de 2023. A meta fiscal para 2025 é de R$ 0,00 para o governo central.
O governo estimou que a medida geraria uma arrecadação adicional de R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026. A medida reverteu um decreto anterior (do governo Bolsonaro, em 2022) que previa a redução gradual do IOF até 2029.
A edição do decreto gerou fortes críticas e oposição. Entidades como CNI, CNC, CNA, OCB, CNF e Abrasca argumentaram que o IOF deve ter função regulatória, não arrecadatória, e solicitaram ao Congresso a anulação do decreto. Um total de 15 Projetos de Decreto Legislativo (PDL) foram apresentados na Câmara dos Deputados e no Senado para sustar os efeitos do Decreto 12.466.
As justificativas incluíam uso do decreto para fins arrecadatórios, aumento da carga tributária e da insegurança jurídica, invasão de competências do Legislativo e afronta à legalidade. O presidente do Senado declarou que o governo teria excedido suas competências. A situação levou o governo a negociar alternativas com o Congresso.
A questão central da legalidade do Decreto 12.466 reside na competência para alteração das alíquotas do IOF.
Segundo a Constituição de 1988, a União tem competência para instituir o IOF (artigo 153, inciso V). O artigo 153, § 1º, da CF/88, faculta ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas de impostos como o IOF. Assim, ao IOF não se aplica a “reserva legal” para aumento de impostos, prevista no artigo 150, I da CF. Da mesma forma, não se aplica a vedação de cobrar tributos no mesmo exercício financeiro de publicação da lei que os instituiu ou aumentou (artigo 150, § 1º).
O IOF é considerado um imposto extrafiscal, com função predominantemente regulatória (controlar crédito, câmbio, mercado financeiro), além da função arrecadatória. Mas a jurisprudência do STF reconhece que a função arrecadatória, em menor ou maior grau, é uma consequência lógica de qualquer tributo, e a prevalência da finalidade extrafiscal não impede a sua função arrecadatória. Aumento de alíquotas com fins de obter recursos financeiros é possível e constitucional.
Diversas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) validaram o aumento de alíquotas do IOF por meio de ato infralegal (decreto ou portaria ministerial). Julgamentos como o AgR no ARE 800.282 (relator, ministro Roberto Barroso, 2015), o RE 1.269.641 (relator, ministro Edson Fachin, 2020) e o RE 1.480.048 (relator, ministro Fachin, 2024) confirmaram a constitucionalidade dessa prática, mesmo quando o objetivo era compensar perdas de arrecadação ou conter “rombos”.
O STF reconheceu que o Poder Executivo tem autorização expressa da Constituição para alterar a alíquota do IOF por ato infralegal, nos termos do artigo 153, § 1º. Governos anteriores também utilizaram decretos para ajustar alíquotas do IOF, e esses ajustes foram validados pelo STF.
O aumento das alíquotas por decreto é, em princípio, constitucional, desde que respeite os limites máximos previstos em lei (até 25% sobre o valor de liquidação da operação cambial, pela Lei 8.894, de 1994). Além disso, não deve criar novas hipóteses de incidência (fatos geradores) ou alterar a base de cálculo, o que exigiria lei formal.
Deve ser justificado por finalidades regulatórias ou econômicas, alinhadas à natureza extrafiscal, embora o STF tenha validado finalidades arrecadatórias. E, ainda que presente a finalidade arrecadatória, a finalidade regulatória do Decreto 12.466 é evidente, visando equilibrar o mercado financeiro, conter saídas de capital e corrigir distorções.
Quanto à competência do Congresso Nacional para sustar atos normativos do Executivo (artigo 49, V da CF), essa competência se aplica quando o Executivo exorbita do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. Porém, no caso do aumento do IOF por decreto, conforme a interpretação constitucional e a jurisprudência do STF, o Executivo não exorbitou de suas competências.
As razões de mérito alegadas pelos opositores, como impacto econômico desproporcional, encarecimento do crédito, regressividade ou insegurança jurídica, não conferem razão à alegação de “exorbitância do poder regulamentar” passível de controle legislativo.
E, de fato, apenas o Supremo Tribunal Federal poderia decidir definitivamente sobre a invalidação do decreto por ofensa à Constituição. Se o Congresso sustasse o decreto sem a devida exorbitância por parte do Executivo (o que não ocorreu neste caso), ele mesmo estaria exorbitando de suas competências, o que seria passível de controle judicial.
Em suma, o aumento das alíquotas do IOF por decreto é, em princípio, legal e constitucional, com base no artigo 153, § 1º, da Constituição Federal, que permite ao Executivo alterar alíquotas de impostos extrafiscais sem lei formal. Apesar de possuir caráter arrecadatório, sua natureza extrafiscal ou regulatória não é afastada.
Embora a falta de diálogo público e Análise de Impacto Regulatório (AIR) sejam fragilidades políticas, a análise legal aponta para a legitimidade do ato.
Qualquer decisão do Legislativo, portanto, pode ser objeto de enfretamento junto ao STF, assim como cabe aos inconformados recorrerem à Corte para a apreciação da constitucionalidade do aumento do IOF ora em debate.
Por certo que uma crise entre poderes poderia levar a consequências prejudiciais ao país: em medida retaliatória, o Congresso poderia sustar a apreciação de proposições legislativas de interesse do governo, ou mesmo a deliberação sobre autoridades, e até mesmo poderia legislar fixando limites ao IOF, inferiores aos fixados pelo decreto.
Mas essa seria uma reação que demandaria não apenas a concordância dos presidentes de ambas as Casas do Congresso, mas também de uma maioria sólida e suficiente, que, contudo, não estaria a julgar o caso em função do interesse público, mas de pressões de setores econômicos.
Certamente, o Poder Executivo pode rever a medida adotada, reconhecendo erro ou excesso, e revogar o decreto por razão de conveniência e oportunidade, mas não pode ser forçado a isso.
Assim, há que se concluir que o aumento das alíquotas do IOF por decreto é, em princípio, legal e constitucional, com base no artigo 153, § 1º, da Constituição Federal, que permite ao Executivo alterar alíquotas de impostos extrafiscais sem lei formal. Apesar de ser medida com caráter arrecadatório, não pode ser afastada a sua natureza extrafiscal, ou regulatória, e a revisão parcial já adotada pelo Executivo indica sensibilidade às críticas.
Cabe, portanto, esperar que o diálogo interinstitucional produza solução razoável, mas, frente às dificuldades fiscais e à conjuntura econômica, não se pode ignorar a necessidade do aumento de receitas. Até mesmo para que a execução orçamentária das emendas parlamentares, que é um fator relevante nas relações entre Executivo e Legislativo, possa se dar sem percalços ao longo do segundo semestre de 2025.
Luiz Alberto dos Santos Advogado e consultor legislativo aposentado do Senado. Sócio da Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas
Fonte: Jota