A validade da recuperação judicial quando um único credor nega o acordo
Atualmente, com crise econômico-financeira que abarca todo o Brasil, inclusive agravada pela pandemia do coronavírus, é de extrema relevância tratar do procedimento e peculiaridades dos processos de Recuperação Judicial das empresas.
O processo de Recuperação Judicial, previsto na Lei 11.101/2005 (“LRF”), é um instituto no qual tem como objetivo viabilizar a superação de uma crise econômico-financeira vivenciada por uma empresa tornando-se, portanto, uma medida não só a evitar a falência, mas soerguer aquela em crise, economicamente viável. Desta forma, através deste procedimento, as empresas realizam uma negociação entre seus credores acerca de seus créditos, forma e prazo para pagamento. Assim, a ideia central deste processo não é apenas ajudar a empresa por si só, mas sim auxiliar a estrutura econômico-financeira como um todo.
Diante desse cenário de negociação entre a empresa Recuperanda e seus credores, é que surge a necessidade da apresentação do chamado Plano de Recuperação Judicial (“PRJ”), no qual irá prever basicamente as formas, opções e tempo de pagamento desses créditos. No entanto, para efetivamente a empresa atingir o seu objetivo de soerguimento, afastando a indesejada falência e proporcionando seu almejado soerguimento, tal plano obrigatoriamente deverá ser votado e aprovado por todas as classes de credores, conforme preconiza a LRF.
Nos termos da legislação Recuperacional, quando apresentado o plano de recuperação pela empresa, e alguém apresentar objeção, ou seja, discordar de qualquer que seja a determinação contida nele, o plano será levado a uma votação na chamada Assembleia Geral de Credores. E é nessa oportunidade que se encontra a discussão a respeito da validade da recuperação judicial quando um único credor vota contra o Plano de recuperação, popularmente entendido como acordo.
Como dito acima, o plano deverá ser aprovado em todas as classes de credores, quais sejam: a de créditos trabalhistas, garantia real, quirografário e os créditos das microempresas e empresa de pequeno porte (artigo 41 LRF). Porém, existe um instituto chamado cram down que possibilita ao juiz da recuperação judicial impor aos credores discordantes a aprovação do plano apresentado pela Recuperanda e já aceito pela maioria dos demais credores, desde que o plano tenha preenchido determinados requisitos previstos no artigo 58, §1° da Lei.
Nesse contexto, muitos são os casos em que apenas um credor titular de um crédito de grande representatividade não aprova o plano apresentado em assembleia e desta forma, pela proporção não cumularia os requisitos do artigo 58 da LRF, teoricamente estaríamos em frente a uma rejeição do plano com suas consequências legais.
Ocorre que conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, os requisitos do artigo 58 para a aplicação do cram down devem ser mitigados em circunstâncias que podem evidenciar abuso do direito de voto, eis que o magistrado deve agir com sensibilidade e decidir com base no princípio da preservação da empresa, optando pela flexibilização dos critérios estabelecidos em lei, especialmente quando somente um credor tem o domínio da deliberação de forma absoluta em sua classe, sobrepondo-se ao interesse da comunhão de credores.
Muitos são os exemplos de homologação do plano de recuperação em que apenas um ou mais credores rejeitam as disposições apresentadas pela empresa, flexibilizando-se os critérios acima mencionados e homologando o plano rejeitado em razão de voto contrário do credor (es), enquanto os demais o aprovaram.
Em caso emblemático de empresa atuante no segmento de engenharia, em trâmite no estado do Amazonas e efetivamente transitada em julgado, o magistrado explicou: “É neste ponto que qualquer um questiona se, pela discordância de somente um dos credores, que representa apenas 27,58% de sua classe e 20,60% do total, ainda assim deveria o plano deixar de ser homologado, somente pela circunstância de tal credor representar sozinho a maioria dos créditos de sua classe dentre os que fizeram presentes na AGC e ter votado contrário. A resposta a este questionamento depende da análise do caso concreto (…). O que se deve verificar é se houve abuso de direito, ou seja, se o credor que estava na privilegiada posição de -na prática- ter o voto absoluto, se aproveitou disto para tentar impor condições desarrazoadas e sem legitimidade. (…) Analisando, vê-se claramente que o representante do Banco do Brasil apenas chegou com uma proposta pronta, uma verdadeira “proposta de adesão” (…) Daí, fácil concluir que a proposta apresentada é completamente desarrazoada, (…) simplesmente, o Banco do Brasil queria receber completamente a integralidade de seu crédito, enquanto todos os demais credores se contentariam com algum sacrifício, preferindo receber seus créditos de forma parcial do que pouco ou nada receber se houvesse a convolação em falência.”
Portanto, o que se diz é que mesmo em casos em que credores discordem do Plano de recuperação judicial apresentado pela empresa Recuperanda, tal acordo não perde sua validade, inclusive, com base em entendimento dos tribunais superiores, uma vez que em análise do caso concreto, é fundamental a flexibilização das normas e a aplicação do princípio da preservação da empresa
** Bianca de Lima Chrispiano – DASA Advogados