O princípio da causalidade no cenário de recuperação jurídica de crédito

IDPJ, rastreamento via IA e tese dos honorários advocatícios a quem provoca o processo estimulam busca por soluções
A recuperação jurídica de crédito no Brasil é desafiadora, mas a busca por soluções para o recebimento de valores pendentes tem maior estímulo na tese do princípio da causalidade, que defende a atribuição do pagamento dos honorários advocatícios a quem provoca o processo.
Atualmente, tecnologias avançadas, como inteligência artificial, permitem a análise mais assertiva de dados financeiros e rastreamento assertivo de ativos, indicando movimentações suspeitas, sucessões empresariais fraudulentas e transferências irregulares de bens, facilitando o acesso aos valores devidos e mitigando custos ao autor da ação.
A tese do princípio da causalidade e o rastreamento de ativos com suporte tecnológico são instrumentos úteis e incentivadores frente à má conduta de empresas devedoras, que se aproveitam da facilidade de movimentações de patrimônio para ocultar ativos, dificultam a localização de recursos financeiros e provocam a necessidade do Incidente de Desconsideração da Pessoa Jurídica (IDPJ), alternativa para o acesso legal ao capital da(s) Pessoa(s) Física(s) autoras de fraudes patrimoniais.
O IDPJ propicia a desconsideração da personalidade jurídica para a apreensão de bens além dos pertencentes à empresa devedora, por meio do acesso legal aos recursos financeiros das contas bancárias e penhora de patrimônio em nome de pessoas físicas e jurídicas que possam ter sido beneficiadas através de fraudes, por meio de abuso da personalidade jurídica, seja com a prática de desvio de finalidade e/ou confusão patrimonial.
Ocorre que, diante de estratégias adotadas por devedores para dificultar o cumprimento de obrigações, os credores ficam temerosos de ingressar com processos e não acessarem os valores devidos, e ainda serem incumbidos do pagamento dos horários advocatícios, na hipótese de sucumbência.
A tese do princípio da causalidade é simples e poderosa: se o devedor, por meio de condutas suspeitas ou irregulares — como transferências fraudulentas de ativos, confusões administrativas entre outros — deu causa ao ajuizamento do IDPJ, os Tribunais não podem devem imputar ao credor condenação em honorários em caso de indeferimento. Essa abordagem frente ao tema, respaldada pelo artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil (CPC), promete equilibrar a balança entre a proteção do credor diligente e a punição ao devedor evasivo.
Historicamente, o Superior Tribunal de Justiça entendia que decisões sobre o IDPJ, por serem interlocutórias, não geravam honorários de sucumbência, conforme consolidado em 2020. Mas uma decisão de outubro de 2023 do STJ propiciou uma mudança significativa na jurisprudência, passando a impor um novo desafio aos credores: quando o pedido de IDPJ é negado, o credor pode ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios. Esse ônus financeiro inesperado aumenta os riscos àqueles que, de boa-fé, buscam recuperar créditos legítimos.
A virada jurisprudencial de outubro de 2023, embora lógica sobre a ótica processual, criou um cenário de insegurança aos credores. Mas a tese do princípio de causalidade e o rastreamento estratégico de ativos com suporte da tecnologia demonstram a conduta fraudulenta do devedor.
Por exemplo, se um devedor transfere ativos para terceiros do mesmo grupo econômico, ou mesmo bens imóveis após ser notificado de uma dívida, tais elementos podem indicar um comportamento evasivo, ainda que não se verifique prova de má-fé do adquirente. Mesmo que o juiz não defira o pedido de IDPJ, essas evidências ajudam a fundamentar a boa-fé do credor, possibilitando evitar a condenação em honorários.
O rastreamento avançado de ativos é crucial para o credor demonstrar que sua iniciativa de ingressar com a ação processual foi baseada em indícios concretos de ocultação patrimonial ou outras fraudes. A tese da causalidade destaca a busca por equidade, pois ela evita que o credor de boa-fé seja duplamente penalizado: uma vez pela dívida não paga e outra pelos custos processuais.
O artigo 85, § 2º, do CPC, permite ao juiz a flexibilidade de adaptar a decisão conforme as particularidades do caso, oferecendo espaço para que a conduta do devedor seja levada em consideração. Já em outras áreas do Direito, como nos embargos de terceiro, a conduta do réu tem sido utilizada para definir a distribuição de honorários, sugerindo a possibilidade de aplicar o mesmo raciocínio ao IDPJ.
No entanto, é preciso saber que a tese enfrenta desafios. A jurisprudência recente do STJ dá ênfase à sucumbência formal, priorizando o resultado do pedido em vez das circunstâncias que o motivaram. Além disso, a aplicação do princípio de causalidade depende da interpretação do juiz, o que pode levar a decisões divergentes. Outro obstáculo importante é o ônus da prova, que exige que o credor apresente evidências substanciais da má conduta do devedor.
Para os credores que adotam a tese da causalidade, é fundamental uma abordagem proativa, o que envolve reunir provas sólidas, como as obtidas pela ferramenta de tecnologia, para documentar as irregularidades do devedor. É importante ressaltar que o pedido de desconsideração da personalidade jurídica deve ser bem alicerçado, destacando os indícios de má-fé do devedor e vinculando-os ao princípio da causalidade.
A tese de que o princípio da causalidade pode isentar credores de honorários de sucumbência no IDPJ, quando o pedido é motivado por condutas suspeitas do devedor, representa uma evolução necessária no direito processual brasileiro. Ela oferece uma resposta à rigidez das decisões recentes do STJ, protegendo o credor de boa-fé, sem comprometer o princípio da sucumbência.
Acredita-se que, embora a aplicação da tese dependa da discricionariedade judicial e enfrente desafios jurisprudenciais, ela tem o potencial de reequilibrar as relações entre credores e devedores, promovendo um sistema mais justo e alinhado à realidade prática. Para os credores, o futuro está em combinar estratégia jurídica com investigação minuciosa, transformando riscos em oportunidades e consolidando um novo padrão de efetividade na recuperação de créditos.
Aldo José Moscardini Neto – Sócio da área de Forensic da Deloitte, especializado em rastreamento de ativos, especialista em direito empresarial.
Caio Cesar Alvares Loro Netto – Gerente da área de Forensic da Deloitte, especializado em rastreamento de ativos, doutor em direito das relações econômicas internacionais.
Fonte: Jota