O tratamento tributário do reembolso internacional de despesas

O reembolso de despesas, quando remetido por sociedade brasileira à sociedade estrangeira que lhe prestou serviços, tem sido tributado pela Receita Federal com base no entendimento de que as despesas seriam incorridas diretamente pela parte brasileira. Em outras ocasiões, a tributação ocorre pelo raciocínio de que as despesas fariam parte do preço do serviço. Porém, esse tipo de remessa ao exterior deve ser tratado como mero reembolso de despesas não tributável.

O primeiro entendimento acima — de que a tributação ocorre porque as despesas seriam incorridas diretamente pela brasileira — foi indicado na Solução de Consulta nº 283/2024. O caso analisado na SC envolve sociedade brasileira que contrata serviços de pessoas jurídicas estrangeiras para desenvolver projetos no Brasil. A prestação desses serviços gera custos e despesas como, hospedagens, passagens aéreas, diárias, despesas de alimentação, entre outros. Essas despesas são pagas pelas estrangeiras, as quais são reembolsadas pela brasileira.

A conclusão da SC foi a de que essa operação seria uma espécie de adiantamento de recursos pela estrangeira a prestadores de serviços. Nesse sentido, no entendimento da SC, seria como se a sociedade brasileira estivesse contratando diretamente um serviço de transporte ou hospedagem no exterior e, por isso, ao reembolsar a mera intermediária dessa contratação — a sociedade estrangeira —, haveria a incidência do IRRF.

Também se concluiu pela incidência de PIS/Cofins-Importação, no entendimento de que as despesas fariam parte do serviço contratado. Apenas em relação à Cide a conclusão foi pela não incidência, por não se tratar de prestação de serviços técnicos.

Como apontamos anteriormente, além desse entendimento, outro raciocínio que, por vezes, vem sendo adotado pela Receita Federal do Brasil em fiscalizações — e incompatível com o próprio fundamento da SC —, é o de que o reembolso de despesas faria parte do preço geral dos serviços prestados, ainda que não haja previsão específica sobre isso em contrato.

Porém, seja por um ou outro fundamento, o tratamento de reembolsos como serviços merece um debate mais aprofundado.

Eventos distintos

Sobre a SC indicada anteriormente, o primeiro ponto a se considerar é o de que ela foi elaborada com base na premissa de que as sociedades brasileira e estrangeira atuariam como a mesma pessoa jurídica, e/ou que o pagamento de despesa e reembolso seriam a mesma transação, já que nela foi indicado que haveria “funcionário do grupo empresarial” ou que a controladora estrangeira agiria como “mera intermediária”.

Mas ainda que as sociedades brasileira e estrangeira pertençam a um mesmo grupo econômico, não podem ser tratadas de partida como se fossem a mesma pessoa jurídica, por serem, obviamente, constituídas de forma autônoma. As transações entre sociedades brasileiras com partes relacionadas possuem outro tratamento: controle mediante preços de transferência e, mesmo nessa legislação, há requisitos para eventualmente se desconsiderar uma determinada transação, em caráter excepcional, mas não a personalidade jurídica das sociedades envolvidas.

Dito isso, o pagamento de despesas e o posterior reembolso são eventos distintos e com efeitos tributários também diversos. Assim, o reembolso pela sociedade brasileira à estrangeira não pode ser tratado como pagamento direto da brasileira a empresas de transporte, hotelaria etc. Cada operação realizada entre empresas, ainda que do mesmo grupo, envolve entidades diversas e não meras intermediárias.

As disposições contratuais também devem ser respeitadas: se existe um ajuste entre as sociedades por meio do qual uma se compromete a reembolsar despesas de outras, em relação estritamente comercial, não há motivos para se desconsiderar esse ajuste e tratar uma sociedade como mera intermediária pela contratação de serviços em nome de outras. Inclusive, porque a intermediação ou agenciamento é um serviço distinto previsto na LC nº 116/2003 e com regras e incidências tributárias próprias.

Além das considerações acima, a tributação de remessas de reembolsos com base no entendimento de que elas fariam parte do preço dos serviços prestados também não se sustenta.

De plano, se não houver ajuste contratual específico entre as sociedades brasileira e estrangeira no sentido de incluir despesas no valor dos serviços prestados, não se pode presumir que as despesas estariam incluídas. Especialmente em caso de prestação de serviços técnicos, a qual depende de conhecimento especializado realizado por profissionais que geralmente atuam em profissões regulamentadas e, portanto, o preço do serviço costuma ser definido por fatores como, competência técnica, escopo do trabalho e objetivos entregáveis, e não despesas extras eventualmente a incorrer.

Nesse sentido, as sociedades prestadoras de serviços técnicos não possuem como objeto social ou atividade-fim a prestação de serviços de hospedagem, transporte e alimentação. Por isso, o reembolso de despesas a esse título não é um recurso revertido para as sociedades e, assim, não pode ser incluído no preço dos serviços. Esse entendimento é reforçado nos casos em que as sociedades possuem contrato de rateio de despesas envolvendo atividades-meio.

Apenas a remuneração pelos referidos serviços está sujeita ao IRRF, o que não inclui eventuais reembolsos de despesas, pois são estranhas ao conceito de remuneração, já que não guardam relação com a prestação de serviços em si.

Esse entendimento é reforçado pelos artigos 109 e 110 do Código Tributário Nacional (CTN). Eles asseguram que os princípios gerais de direito privado sejam utilizados para a definição, o conteúdo e o alcance de seus institutos, conceitos e formas, os quais não podem ser alterados pela lei tributária para a atribuição de competências tributárias. Portanto, o preço do contrato definido para determinada prestação de serviço deve ser respeitado, sem a indevida inclusão de outras parcelas – como o reembolso de despesas — na composição da remuneração pactuada.

Não se trata, ainda, de utilizar um contrato para alterar a responsabilidade pelo pagamento de tributos, vedado pelo artigo 123 do CTN — argumento este que tem sido utilizado pelas autoridades fiscais como razão para se desconsiderar disposições contratuais sobre os serviços prestados. O que o referido artigo veda é a impossibilidade de determinar contratualmente que uma parte não seria responsável pelo pagamento de tributos, situação diversa da necessidade de se respeitar os institutos de direito privado para a definição dos efeitos tributários.

Vale ressaltar, também, que o artigo 12, § 2º, inciso IV, da Lei Complementar nº 214/2025 (reforma tributária), determina que não integram a base de cálculo do IBS e da CBS os reembolsos ou ressarcimentos recebidos por valores pagos relativos a operações por conta e ordem ou em nome de terceiros, desde que a documentação fiscal relativa a essas operações seja emitida em nome do terceiro. Trata-se de avanço legislativo no sentido de se diferenciar, expressamente, o reembolso de despesas da base de cálculo tributável.

Considerações finais

Em conclusão, a partir da SC editada e do tratamento tributário de reembolsos de despesas estrangeiras que vem sendo adotado pelas autoridades fiscais, nota-se uma tendência da Receita Federal à tributação de remessas ao exterior a título de reembolso de despesas, seja por entender que a sociedade estrangeira que incorreu no custo seria mera intermediária da sociedade brasileira, seja com base em alegação diversa, de que o reembolso de despesas estaria inserido no preço dos serviços técnicos.

Porém, deve-se lembrar que as sociedades contratantes, ainda que de um mesmo grupo econômico, não podem ser tratadas como a mesma pessoa jurídica, muito menos uma como intermediária de outra para a contratação de serviços gerais como transporte e hospedagem, no âmbito de um contrato de prestação de serviços. Além disso, não se pode partir da premissa de que despesas com transporte, hospedagem e alimentação estariam inseridas no preço dos serviços prestados, inclusive porque empresas prestadoras de serviços técnicos não possuem em seu objeto social a previsão de prestação de serviços de transporte, hospedagem e alimentação.

Espera-se, portanto, que a interpretação do tema evolua para se diferenciar adequadamente as relações jurídicas e os respectivos efeitos tributários.

Luiz Roberto Peroba é sócio da área tributária de Pinheiro Neto Advogados.

Diego Filipe Casseb é consultor da área tributária de Pinheiro Neto Advogados.

Fonte: Conjur

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