Reforma tributária e sua inadiável lição de casa

Vale a pena manter a estrutura operacional adotada atualmente?
A forma como as empresas organizaram suas operações no Brasil nas últimas décadas foi fortemente influenciada pelo cenário tributário relacionado aos chamados tributos sobre consumo, notadamente, ao ICMS. Não raro, os benefícios fiscais de ICMS eram determinantes para definir a localização de uma empresa no país e a escolha de seus fornecedores, superando inclusive relevantes fatores logísticos.
Porém, as regras que regiam esse mundo foram afetadas pela chegada da reforma tributária, que alterou substancialmente o sistema tributário nacional. E tudo começará a mudar em 2026.
Sim, em menos de um ano, inicia-se uma das maiores mudanças tributárias já vistas no Brasil, tão complexa que sua transição levará meio século para se completar. Essa mudança afetará todos os aspectos do consumo e virará do avesso conceitos e dogmas que guiaram as decisões empresariais e comerciais das últimas décadas, a começar pelo impacto do fim de diversos tributos atualmente existentes e, por tabela, de suas tributações confusas e, comumente, conflitantes.
A data do sepultamento do PIS, da Cofins, do ICMS e do ISS já está marcada, variando apenas o período de luto. Enquanto o velório das contribuições sociais será curto, o dos impostos estadual e municipal sabidamente será longo, arrastado e, provavelmente, doloroso, principalmente para as equipes fiscais de todas as empresas do país. Quem duvida, basta imaginar como será o convívio do sistema tributário antigo com o novo, que deverá ocorrer entre 2029 e 2032, para ter certeza de que, antes de simplificar, tudo ficará mais complexo.
A recuperação dos saldos credores dos tributos a serem extintos merece uma atenção especial, notadamente em relação ao ICMS, cuja utilização futura pende de incertezas, na medida em que ainda é objeto de análise do Congresso Nacional. Conforme a redação atual do PLP 108/2024, tais créditos dependerão de validações estaduais e sua utilização futura deverá ocorrer de forma parcelada em até 20 anos.
Já o novo sistema tributário previsto na Emenda Constitucional 132/2023 e disciplinado pela Lei Complementar 214/2025, ao introduzir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo (IS), parte de conceitos bastante distintos daqueles que basearam o moribundo sistema tributário atual, sendo imprescindível que as empresas entendam e quantifiquem os impactos dessa nova realidade no dia a dia de suas operações.
Por exemplo, a tributação sobre bens materiais, imateriais, direitos e serviços será ampla, assim como amplo será o direito ao crédito pelo contribuinte, alargando o alcance dos novos tributos e afetando profundamente os custos operacionais das empresas.
Ainda que, até o momento, não tenham sido definidas as alíquotas dos novos tributos, as especulações de que, provavelmente, o Brasil terá a maior alíquota nominal dentre todos os IVAs do mundo ignoram a realidade dos tributos atualmente suportados pelas empresas brasileiras. Na ponta do lápis, os tributos que serão extintos logo mais já poderiam fazer jus a tal título, ancorados na indevida cumulatividade observada por seus contribuintes. O amplo direito ao crédito dos novos tributos promete equilibrar essa conta.
O cálculo por fora dos novos tributos, a tributação no destino e a restrição na concessão de benefícios fiscais, previstos em uma lei complementar única para o IBS e a CBS, que compõem o chamado IVA dual, alteram profundamente a lógica do sistema tributário atual. Outras novidades, como o próprio conceito do IVA dual, o cashback e o split payment, além dos neologismos e anglicismos inerentes, são novas realidades que afetarão profundamente a rotina do empresário e, com o perdão por mais esse anglicismo, o seu cashflow.
Tais mudanças afetarão boa parte dos elementos formadores das estruturas corporativas atualmente adotadas no país, ao ponto de ser válido questionar: por que estamos aqui (neste estado, neste município)? Vale a pena manter a estrutura operacional adotada atualmente?
E, se tudo começará a mudar em 2026, acelerando mais e mais nos anos seguintes, a cada dia fica mais urgente a análise dos reflexos dessa nova realidade em cada empresa.
No macro, isso envolve a quantificação do impacto dos novos tributos e a reavaliação da própria estrutura operacional e da cadeia de fornecedores utilizados pela empresa, incluindo exercícios sobre quais aquisições passarão a gerar créditos tributários à empresa e como o split payment afetará o seu fluxo de caixa.
No micro, merecem revisão a política de formação de preços, o cronograma de pagamentos, a viabilidade dos contratos em vigor e a funcionalidade dos sistemas de emissão de documentos fiscais, dentre alguns pontos que foram construídos com base nas regras do passado que, em muito pouco tempo, não serão mais válidas.
Não há como escapar dessa lição de casa. E ela precisa ser iniciada ainda em 2025.
Ricardo Valim de Camargo – Advogado tributarista do CGM Advogados
Fonte: Jota