Contratação de pessoa jurídica e o STF: Podemos seguir com a “Pejotização”?

Com as recentes decisões do STF, muito questiona-se acerca da validade e reconhecimento da “pejotização” como algo lícito e legalizado.

O termo, usualmente utilizado para caracterizar a prática ilegal, ganha nova roupagem pelas decisões da suprema corte, que fixou tese através do julgamento do Tema n.º 725 do rol da Repercussão Geral, no qual assentou-se a validade constitucional de terceirizações e de qualquer outra forma de divisão do trabalho, inclusive por meio da “pejotização”, se for o caso.

Até então, as decisões majoritárias da justiça especializada compreendiam que uma pessoa jurídica seria supostamente adotada para “mascarar” a relação de trabalho e evitar encargos trabalhistas, tais como férias, INSS, 13º etc.

Assim, durante muito tempo, essa prática, por si só, foi considerada como fraudulenta, punida com aplicação de multas e com o reconhecimento do vínculo empregatício, caso a situação fosse judicializada.

E ainda a reforma trabalhista foi interpretada supostamente para afastar de uma vez por todas quaisquer confusões que pudessem haver com a “pejotização”.

Contudo, as decisões do STF deixam claro que é sim possível “pejotizar”.

Segundo a corte, para que se permita a “pejotização”, por exemplo, de médicos ou qualquer outro profissional liberal, é imprescindível que, nas instâncias ordinárias, não tenha sido provado que houve fraude, ou que não estivessem presentes os quatro principais requisitos da relação empregatícia, a saber: onerosidade, pessoalidade, habitualidade e subordinação.

Destaca-se: nenhum ministro, seja do STF ou do TST, fixou que a terceirização ou a pejotização pode se sobrepor à fraude aos direitos trabalhistas. Nesse sentido, já decidiu o orgão: “Ausentes os pressupostos legitimadores da reclamação, este remédio constitucional não pode ser utilizado como um atalho processual destinado à submissão imediata do litígio ao exame direto desta Suprema Corte, nem tampouco como sucedâneo recursal viabilizador do reexame do conteúdo do ato reclamado” (Rcl n. 10.036-AgR, relator o ministro Joaquim Barbosa, Plenário, DJe 1º.2.2012).

Contudo, inquestionavelmente, o decidido pela Suprema Corte no âmbito da ADPF nº 324/DF e da tese fixada no julgamento do Tema nº 725 do rol da Repercussão Geral, assentou a validade “pejotização”.

Tanto é que na ADC nº 48/DF e na ADI nº 3.961/DF (Rel. Min. Luís Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 15/04/2020, p. 05/06/2020), foi estabelecida a natureza civil da relação comercial entre empresa e transportadores autônomos. E na ADI nº 5.625/DF (Rel. Min. Edson Fachin, Red. do Acórdão Min. Nunes Marques, Tribunal Pleno, j. 28/10/2021, p. 29/03/2022), o Plenário da Corte fixou a validade dos contratos de parceria firmados entre estabelecimentos e trabalhadores autônomos do ramo da beleza.

Em recente decisão, de 22/07/2024, o ministro André Mendonça, nos autos da RCL 68.820, julgou procedente a reclamação para cassar a decisão infra, no tocante à ilicitude da relação jurídica estabelecida entre as partes, e determinar que outra seja proferida com observância à jurisprudência vinculante desta Suprema Corte. O caso em comento, diga-se de passagem, versava sobre suposta fraude no pedido de demissão de empregado que, no dia seguinte, foi recontratado como PJ.

A Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.784, de 2019), em seu art. 1º, § 2º, estabelece que “interpretam-se em favor da liberdade econômica, da boa-fé e do respeito aos contratos, aos investimentos e à propriedade todas as normas de ordenação pública sobre atividades econômicas privadas”.

Como visto, o STF tem preservado, em seus julgados, a liberdade dos agentes econômicos de formular estratégias negociais para preservar a eficiência da economia e da competitividade, observando as condições do trabalhador, principalmente no que se refere à vulnerabilidade e capacidade de consentimento.

Assim, para os ministros, os contratos comerciais em geral mesclam dupla função, social e econômica, e as cláusulas contratuais protegem tanto o contratante como o contratado, em caso de descumprimento dos termos avençados.

Sobre a liberdade para contratação, o ministro Alexandre de Moraes, na ADPF 324, sustenta que: “O texto constitucional não permite, ao poder estatal – executivo, legislativo ou judiciário – impor um único e taxativo modelo organizacional para as empresas, sob pena de ferimento aos princípios constitucionais da livre iniciativa e livre concorrência”.

Temos, portanto, que a “pejotização” não só é possível como também não deve ser utilizada como sinônimo à fraude e ilicitude trabalhista. E aqui vale separar os conceitos corretos de terceirização e pejotização. Naquela, temos o contratante – tomadora de serviços, e a contratada – empresa que presta serviços através de seus empregados. Já na “pejotização”, em seu conceito atual e defendido pelo STF,  temos uma  empresa contratante e uma prestadora de serviços contratada que presta serviços, normalmente, pelo seu sócio. Ou seja, podemos ter uma sociedade uniprofissional, um microempreendedor individual (MEI), ou até mesmo, em alguns casos, uma certa confusão entre a suposta empresa contratada e o profissional que executará os serviços contratados.

Apesar da comutação de conceitos, é imperioso reafirmar a importância da avaliação da situação fática para verificar a estrita aderência às teses fixadas nas ações ADPF 324 e RE 958.252 e/ou Tema 725, as quais são as principais invocadas quando se trata de terceirização e “pejotização”.

E como bem lenciona o eminente juiz do trabalho Mauro Schiavi, in Rev. TST, Brasília, vol. 82, nº 2, abr/jun 2016: “O comportamento das partes no processo e em audiência pode influir significativamente na convicção do Juiz do Trabalho. Desse modo, a personalidade, o grau de humildade ou a arrogância, a cooperação com a justiça, a firmeza no depoimento, a segurança ou a insegurança ao depor, a boa-fé, a honestidade dos litigantes, entre outros comportamentos, devem ser considerados pelo órgão julgador”. Amiúde: o contato entre juiz e a prova é extremamente valioso e único, e com certeza será responsável pela regência processual e seu deslinde até o STF.

Se ainda restou alguma dúvida entre a diferença entre a “pejotização” e terceirização, ou se você está pensando em contratar uma terceirizada para prestar serviços para sua empresa, entre em contato com um dos especialistas do Vigna Advogados Associados.

Raissa Dantas é advogada, sócia de serviços no Vigna Advogados Associados. Especialista Relações Trabalhistas e Sindicais, possui MBA’s em Gestão Empresarial e Gestão de projetos, Jornada do Cliente e Metodologias Ágeis (em andamento), pela PUC-PR.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *