COMENTÁRIOS SOBRE A CLÁUSULA CROSS DEFAULT NO DIREITO EMPRESARIAL BRASILEIRO
O acentuado diálogo entre empresários e advogados no âmbito do comércio exterior tem impulsionado o uso crescente de práticas da mercancia internacional em contratos domésticos, com a frequente adoção de modelos jurídicos estrangeiros. No entanto, é crucial avaliar a compatibilidade desses modelos com o sistema jurídico locações ao ordenamento jurídico brasileiro, quando cabível.
Diante deste cenário, é relevante analisarmos a chamada cláusula de cross default”, que vem sendo cada vez mais utilizada nas negociações e contratações no mercado interno, a despeito de seu tratamento ainda embrionário na doutrina e na jurisprudência. Embora, por vezes, seja traduzida como “cláusula de inadimplemento cruzado”, tal denominação não é unânime, já que esta terminologia não parece abranger especificamente os diferentes modelos existentes para a referida disposição contratual.
As cláusulas de cross default são disposições contratuais que estipulam que o devedor será considerado inadimplente no contrato em questão sempre que deixar de cumprir obrigações (defaut) em outros contratos. Essa definição revela a sua origem nos sistemas de Common Law, onde é prática comum incluir nos ajustes uma lista extensa e detalhada de situações que configuram inadimplência (events of defaut). O diferencial do cross default é que essa lista compreende, também, o inadimplemento de obrigações estabelecidas em outros termos de contratos.
Inicialmente utilizadas em contratos bancários internacionais, essas cláusulas passaram a ser amplamente aplicadas em diversos outros tipos de negócios. Atualmente, é comum encontrá-las em contratos nos Brasil, sem qualquer caráter internacional, e até fora do setor financeiro, como em contratos de franquia e de distribuição, por exemplo.
Embora tenham uma função de garantia contratual, as cláusulas de cross default não se enquadram perfeitamente nos modelos legais tradicionais de garantias específicas. Por isso, são frequentemente classificadas de forma genérica como “cláusulas de garantia e segurança” ao lado de outras, como as cláusulas pari passu, que asseguram que aquele crédito tem a mesma prioridade em relação aos demais créditos do devedor perante outros credores, e as cláusulas negative pledge, que impedem o devedor de criar garantias ou preferências em favor de terceiros. O aspecto distintivo da cláusula de cross default, assim, em relação a outras cláusulas de garantia está na previsão de que o contrato em questão pode ser violado devido ao inadimplemento de obrigações em outros contratos, indo além do princípio da relatividade dos efeitos contratuais. É comum, também, distinguir entre as cláusulas que se referem apenas ao incumprimento de obrigações financeiras (payment cross default) e aquelas que também abrangem o descumprimento de outras obrigações, ou até mesmo eventos fora do controle do devedor (covenant cross default).
A doutrina nacional tem encarado a cláusula de cross default no contexto da coligação contratual, identificando-a como um caso em que a vontade expressa das partes (animus de coligar) é registrada por meio da construção de uma condição resolutiva. De fato, a cláusula pode ser redigida para incluir obrigações de outros negócios que estejam funcionalmente interligados ao contrato principal, indicando que esses negócios têm uma finalidade comum. Sem o cumprimento de determinadas obrigações em cada um dos contratos, essa finalidade seria inviabilizada. A função da cláusula, nesses casos, é garantir a viabilidade de um empreendimento envolvendo múltiplos negócios.
Podemos indicar como embasamento de alguns dos casos de utilização do cross defaut, o artigo 333 do Código Civil prevê situações como a decretação de falência do devedor, a penhora por terceiros de bens oferecidos em garantia real, e a falta de reforço de uma garantia que se extinguiu, ou tornou insuficiente, que, por determinação legal, resultam na antecipação do vencimento da dívida, permitindo assim sua cobrança imediata. Na maioria dos casos, contudo, a cláusula se vincula ao inadimplemento de obrigações oriundas de negócios que não possuem qualquer vínculo funcional com aquele no qual está inserida.
A cláusula de cross default, desta forma, pode se basear na coligação funcional entre negócios distintos, bem como na identificação de sinais de risco de insolvência do devedor. Nesse contexto, a validade da cláusula deve estar condicionada à sua adequação à finalidade que pretende alcançar.
Assim, a utilização da cláusula cross default tem se tornado cada vez mais frequente no âmbito dos contratos empresariais, revelando-se um importante instrumento para assegurar a efetivação dos acordos e a proteção dos interesses das partes envolvidas. Sua capacidade de vincular o inadimplemento de obrigações em diferentes negócios de maneira coligada proporciona uma camada adicional de segurança, mitigando riscos e promovendo a estabilidade nas relações contratuais. A tendência é tal cláusula se consolide como uma importante ferramenta jurídica para a gestão de riscos e garantia da adimplência contratual.
Paulo Roberto Vigna – Advogado, sócio do escritório Vigna Advogados Associados e da VignaTax Consultoria Fiscal e Tributária, Mestre em Relações Sociais do Direito, com MBA em Gestão de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, pós-graduado em Direito Empresarial e em Direito Tributário pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especializado em Gestão de Tributos pelo Instituto Trevisan (São Paulo).
Inscrito na seccional na ordem dos advogados do Brasil em Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Distrito Federal, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e em Lisboa- Portugal.
Professor do curso de MBA em Gestão Estratégica Empresarial em São Paulo. É autor dos livros “Recuperação Judicial” e “Manual de Gestão de Contratos” e produz artigos sobre direito tributário, empresarial e tecnologia aplicada a ciência jurídica.