Taxação de dividendos no Brasil: o retorno de um velho debate com novos desafios

Embora traga alinhamento à OCDE, revogação da isenção pode desestimular investimentos

A tributação de dividendos no contexto global constitui componente crucial do planejamento tributário internacional, exercendo influência direta sobre investidores e corporações transnacionais. A seleção estratégica de jurisdições com regimes fiscais mais favoráveis permite não apenas a mitigação da carga tributária, mas também a otimização da estrutura de capital e a maximização da eficiência econômica das empresas.

No cenário brasileiro, vigora desde 1996 a isenção da tributação sobre dividendos distribuídos por pessoas jurídicas submetidas aos regimes de lucro real, presumido ou arbitrado, nos termos da Lei 9.249/95. Tais dividendos não são objeto de retenção na fonte e tampouco integram a base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) ou Jurídica (IRPJ), independentemente da residência fiscal do beneficiário.

Diversas propostas legislativas tentaram revogar essa isenção, especialmente em cenários de crise fiscal. Destaca-se o PL 1087/2025, do Executivo, que propõe a reestruturação do sistema de tributação da renda, com redução de alíquotas sobre a base mensal e anual e inclusão de mecanismos voltados a rendas elevadas. Caso aprovado, alterará significativamente o atual regime.

No plano político, observa-se que a atual gestão federal optou por ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, sob o argumento de justiça fiscal, impondo, ao mesmo tempo, maior ônus a contribuintes com mais capacidade contributiva com vistas a compensar a perda arrecadatória decorrente da desoneração das faixas de menor renda. 

Paralelamente, essa política interna também favorece a aproximação da legislação tributária brasileira aos padrões da OCDE — ainda que, atualmente, o interesse do governo em aderir como membro pleno ao organismo não seja tão evidente quanto no passado. A proposta de tributar dividendos, de todo modo, alinha-se às diretrizes internacionais sobre a incidência em rendimentos empresariais.

A OCDE propugna uma abordagem integrada da tributação de dividendos, considerando os tributos incidentes tanto sobre a empresa quanto sobre os investidores, a fim de reduzir distorções e promover maior equidade. No Brasil, a isenção busca evitar a dupla tributação econômica, partindo do pressuposto de que os lucros já foram tributados na pessoa jurídica.

A proposta de revogação da isenção visa aumentar a arrecadação e corrigir alegadas distorções. Contudo, pode desestimular investimentos e alterar o comportamento de distribuição de lucros, levando à revisão de estruturas fiscais por empresas e investidores.

Nesse contexto, investidores e multinacionais buscam jurisdições com regimes fiscais mais favoráveis para reduzir a carga tributária e otimizar suas estruturas financeiras. Destacam-se, assim, países com tributação vantajosa, mudanças legislativas recentes e estratégias legais que minimizam os impactos fiscais.

Entre as nações que mantêm isenção total, figuram as Ilhas Cayman, Emirados Árabes Unidos, Hong Kong e Singapura. Nos Emirados, a isenção se aplica a determinadas zonas francas, enquanto empresas fora dessas áreas estão sujeitas a uma alíquota de 9% sobre o lucro.

Em Hong Kong, vigora o sistema territorial, pelo qual apenas rendimentos de fonte local são tributados — e dividendos oriundos de lucros já onerados não sofrem nova incidência. Cingapura isenta dividendos locais e não tributa rendimentos estrangeiros não repatriados, proporcionando alta flexibilidade.

Além das jurisdições com isenção plena, alguns países adotam alíquotas reduzidas. O Brasil, por ora, não tributa dividendos pagos a não residentes, mas o PL 1087/2025 propõe alíquota de 10% a partir de 2026.

Armênia e Barbados apresentam modelos com tributação de 5% para não residentes e 5% para investidores internacionais. Malta, por sua vez, reduz a carga efetiva por meio de um sistema de reembolsos, podendo resultar em uma tributação final de apenas 5% em certos casos.

Em contrapartida, várias jurisdições vêm revendo seus regimes para aumentar a arrecadação. Os Países Baixos preveem uma elevação gradual da alíquota de dividendos, passando de 33% em 2024 para 36% em 2025 A Estônia adota tributação diferida, com alíquotas de 0% a 7% para residentes; a partir de 2025, o imposto corporativo será de 22%, com o fim do regime reduzido de 14%.

A Romênia já anunciou aumento de 8% para 10%. Na Ásia, a Malásia instituiu uma tributação de 2% sobre valores superiores a RM 100 mil anuais, refletindo uma tendência global de redução dos incentivos fiscais tradicionalmente concedidos a investidores estrangeiros.

A tributação na fonte é fator relevante no planejamento internacional. Jurisdições como Cingapura, Letônia, Emirados Árabes e Ilhas Cayman não aplicam retenção sobre dividendos pagos a não residentes, o que favorece estruturas internacionais. Outros países, como Armênia e Barbados, adotam alíquotas reduzidas de 5%, enquanto Croácia e Uzbequistão impõem retenção de 10%. 

A diferenciação entre residentes e não residentes varia conforme o ordenamento jurídico. No Brasil, a proposta de alíquota de 10% sobre dividendos destinados ao exterior criaria uma distinção relevante. Na China, residentes são tributados em 20%, enquanto não residentes enfrentam retenção de 10%. Na Austrália, a carga para não residentes pode alcançar 30%, sendo mitigada por tratados. Já a África do Sul aplica alíquota de 20% para residentes, com benefícios aplicáveis a não residentes nos termos de acordos bilaterais.

Os tratados para evitar dupla tributação (TDTs) são mecanismos estratégicos para mitigar impactos fiscais. O Brasil tem acordos com diversas nações que reduzem a retenção na fonte. Com a Suíça, a alíquota é de 10% para sócios com participação relevante e de 15% nos demais casos. Com o Japão, varia entre 12,5% e 15%, conforme o grau de participação. Com a Itália, há isenção total para empresas com participação substancial, tornando-se um dos acordos mais vantajosos.

Nesse cenário, a escolha da jurisdição fiscal e da estrutura jurídica adequada é essencial à eficiência tributária internacional. A crescente demanda por transparência — impulsionada pela OCDE e pela União Europeia — vem condicionando a manutenção de benefícios fiscais à comprovação de substância econômica. Países como Suíça e Cingapura vêm ajustando suas práticas para equilibrar atratividade tributária e conformidade com os padrões globais.

Oportunidades de planejamento tributário ainda existem, mas exigem maior sofisticação e sustentabilidade jurídica. Paraísos fiscais tradicionais, como as Ilhas Cayman, permanecem atrativos pela isenção plena, enquanto países como Estônia e Cingapura se consolidam como alternativas viáveis ao oferecerem equilíbrio entre segurança jurídica, carga tributária reduzida e aderência a padrões internacionais.

Nesse contexto, a eficiência fiscal deve ser avaliada à luz não apenas das alíquotas nominais, mas também da estabilidade regulatória e do ambiente de conformidade global.

A retomada do debate acerca da tributação de dividendos no Brasil representa um alinhamento às melhores práticas internacionais, especialmente às diretrizes estabelecidas pela OCDE. Todavia, a sua implementação requer cautela e racionalidade técnica, sob pena de comprometer a atratividade do ambiente de negócios nacional. 

A simples revogação da isenção pode gerar efeitos indesejados, reduzir investimentos produtivos e fomentar estratégias de elisão por meio da mobilidade internacional do capital. Assim, a eficácia da proposta dependerá da capacidade do Estado de compatibilizar justiça fiscal com competitividade econômica, em um sistema previsível, transparente e alinhado com a dinâmica global.

Ricardo Soriano – Sócio em Figueiredo e Velloso Advogados

Gustavo Rodrigues Martins – Advogado em Figueiredo e Velloso Advogados

Fonte: Jota

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