Justiça protege atenção social do Estado ao impedir ação do Ministério Público para restituição de empréstimo compulsório
Superior Tribunal de Justiça (STJ) nega legitimidade do Ministério Público para ação por valores recebidos pela União como empréstimo compulsório. Decisão deverá evitar rombo nos cofres públicos e impacto direto em programas sociais
Legitimar o Ministério Público Federal (MPF) como parte competente para peticionar Ação Civil Pública sobre restituição de empréstimo compulsório poderia diminuir radicalmente recursos dos cofres públicos e impactar os serviços prestados pelo Estado à população. Uma vitória do MP contestando empréstimos de natureza tributária não devolvidos pela União, por mais justa que fosse, provocaria um esvaziamento do erário público em face da soma que seria calculada para a restituição aos cidadãos afetados especificamente.
“A Justiça decidiu que não cabe ao Ministério Público a cobrança do tributo, em razão de precedentes tanto no Supremo Tribunal Federal (STF), como no STJ. A decisão favorece a continuidade de um evidente descumprimento da Lei quando a União, desde 1986, toma dinheiro emprestado coercitivamente e não devolve espontaneamente. Porém, as consequências da legitimação do Ministério Público para este caso poderiam ser desastrosas”, explicou o advogado, consultor e negociador internacional, Ronaldo Bach, doutorando em Direito, Estado e Constituição, especialista em Direito Tributário e professor do curso de Direito da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB).
De acordo com o docente, o país enfrenta um momento delicado de recuperação econômica e foi imposto a uma série de desafios sociais durante a pandemia, incluindo a necessidade de ajudar com urgência, e dinheiro, pessoas que não puderam exercer suas funções profissionais devido aos protocolos sanitários de enfrentamento da Covid-19.
“Neste contexto, ter mais uma quantidade vultosa de recursos saindo do Estado para, em última análise, promover uma política pública que vai impactar negativamente toda a sociedade, podendo até mesmo desestimular a economia e os empregos, e gerando, eventualmente, mais inflação, não parece prioridade. Lembremos que os recursos precisam sair de algum lugar”, argumentou. “A decisão do STJ não foi negativa, se considerarmos os contribuintes como um todo”, acrescentou em alerta.
A Primeira Turma do STJ, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno interposto pelo MPF contra decisão em recurso especial que considerou a instituição ilegítima para discutir, em ação civil pública, o direito de contribuintes que teriam pago indevidamente o empréstimo compulsório.
O entendimento é justamente o de que, por versar sobre tema de natureza essencialmente tributária, o Ministério Público não tem legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública objetivando a restituição de valores indevidamente recolhidos a título de empréstimo compulsório sobre a compra de automóveis de passeio e utilitários.
Direito difuso
Em seu recurso, o MPF sustentou que a questão tributária, no caso analisado, tem caráter incidental, não podendo impedir sua atuação na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos princípios constitucionais afetos ao sistema tributário nacional.
Segundo o relator, ministro Benedito Gonçalves, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região reconheceu a ilegitimidade ativa do Ministério Público porque a controvérsia da ação civil pública diz respeito à restituição do empréstimo compulsório instituído pelo Decreto-Lei 2.288/1986.
O magistrado ressaltou que a questão já foi pacificada pelo STF ao julgar o ARE 694.294, sob o rito da repercussão geral, com o entendimento de que o Ministério Público não tem legitimidade para propor ação em que se discute a cobrança de tributo, assumindo a defesa dos interesses do contribuinte para formular pedido referente a direito individual homogêneo disponível.
Em seu voto, o ministro destacou também recente precedente do STJ acerca do tema (EREsp 1.428.611, julgado pela Primeira Seção em fevereiro deste ano), no qual se reiterou a ilegitimidade ativa do MPF para discutir, em ação civil pública, tema de natureza essencialmente tributária.
Entenda o caso
O Empréstimo Compulsório, tributo legalmente definido como restituível, é previsto na Constituição Federal para beneficiar apenas a União. Os recursos arrecadados devem ser gastos apenas com as despesas que motivaram sua criação e estes mesmos valores devem ser restituídos, segundo decisão do STF.
Em 1986, no governo de José Sarney, o referido tributo foi instituído sobre o preço de combustíveis e sobre a aquisição de veículos de até quatro anos, podendo chegar a 30% do valor do bem. Muitos contribuintes até procuraram a via administrativa solicitando ao Estado a restituição devida dos valores emprestados, mas tiveram seu requerimento negado.
Há relatos de contribuintes que entraram na justiça para receber o dinheiro emprestado de volta, alegando o pagamento de cerca de um quarto do valor total de um automóvel, a título de empréstimo, e devolução de menos de 1/10 do valor atualizado — comparando com um carro similar zero km.
E outros que sequer judicializaram a demanda pela restituição dos valores emprestados, até por se tratar de um fato de difícil prova, como por exemplo o recolhimento de empréstimos sobre combustíveis ao longo do tempo (seriam necessárias notas fiscais de todos os abastecimentos realizados).
Diante do contexto apresentado, o Ministério Público decidiu ajuizar ação civil pública sobre restituição de empréstimo compulsório e a justiça decidiu que o Ministério Público não teria legitimidade para peticionar em sede de Ação Civil Pública sobre a restituição de empréstimo compulsório em razão do assunto “cobrança de tributo”. O Ministério Público, Fiscal da Lei, se opôs a tal entendimento, mas foi vencido em decisão judicial.
“Em síntese, a melhor solução é o Legislador providenciar para que as autoridades públicas, no exercício das mais diferentes funções do Estado, sejam responsabilizadas pessoalmente por decisões manifestamente esdrúxulas, ilegais e afins. Tal atitude, quando tomada preventivamente, aproveita toda a sociedade”, concluiu Ronaldo Bach.
**COM INFORMAÇÕES DO PORTAL DE NOTÍCIAS DO STJ.