A CPI dos Aplicativos e a busca por equilíbrio nas relações trabalhistas

As novas relações do mercado e os desafios para a proteção dos direitos trabalhistas no radar

Instalada no início de março de 2021 pela Câmara Municipal de São Paulo, a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Aplicativos tem como principal objetivo investigar os contratos das empresas que atuam no transporte particular de passageiros e de pequenas mercadorias — como Uber, 99, Rappi e IFood.

Além de analisar o cumprimento, por parte dessas companhias, das exigências legais para a prestação dos serviços e das condições de trabalho para motoristas e motociclistas, a CPI aborda diferentes pontos que vão de possíveis ocorrências de evasão fiscal a sonegação de impostos.

Do ponto de vista trabalhista, a CPI se instaura dentro de um movimento complexo de mudança do mercado que impõe desafios legislativos e um debate na sociedade.

Em que se pese a geração de oportunidades de trabalho em um ambiente de instabilidade econômica como o vivido atualmente no país, o fato é que entregadores e motoristas não possuem, habitualmente, vínculo empregatício formal com as empresas do segmento de aplicativos.

Tal contexto, por sua vez, potencializa a precarização da mão de obra e dificulta a fiscalização sobre questões que envolvem desde a remuneração pelas viagens realizadas, extensão das jornadas de trabalho e a própria proteção aos trabalhadores em um contexto que ainda vive os efeitos da crise sanitária da Covid-19.

A busca por melhores condições trabalhistas, por sua vez, já motivou desde ações trabalhistas até manifestações e greves que ampliam a complexidade e a necessidade premente de mudanças legislativas que abarquem a nova realidade do mercado.

Balanço parcial da CPI

Em junho de 2022, a CPI dos Aplicativos apresentou um balanço parcial das ações realizadas desde sua instauração. À época, já tinha, conforme publicado no portal da Câmara Municipal de São Paulo, 43 companhias no escopo das investigações, com mais de 250 requerimentos aprovados e mais de 280 ofícios com solicitação de informações a empresas e órgãos públicos.
 

De acordo com o presidente da Comissão, algumas questões importantes de âmbito fiscal e trabalhista ainda demandavam esclarecimentos por parte de ex-secretários municipais de Transporte, relacionadas, por exemplo, à regulamentação do pagamento autodeclaratório por quilômetro rodado efetuado pelas empresas de transporte por aplicativo e ao devido pagamento de impostos.
 

Questões trabalhistas

De acordo com dados de 2021 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Brasil possui aproximadamente 1,5 milhão de pessoas que trabalham com entrega de mercadorias e transporte de passageiros por meio de aplicativos.
 

No contexto de surgimento e ascensão dessas empresas no país — cenário no qual, naturalmente, o número de profissionais que trabalhavam nesse segmento era menor –, havia a expectativa pela criação de novos empregos, mesmo que no campo informal.
 

Atualmente, no entanto, esses trabalhadores, por não possuírem vínculo empregatício com as empresas, não contam com uma remuneração mínima, proteção em caso de acidentes ou limitação da jornada de trabalho.
 

Para se ter maior clareza sobre esse cenário, dados do Instituto Locomotiva, presentes em uma pesquisa interna contratada pelo iFood e que fora analisada na CPI mostraram que 49% dos entregadores trabalham mais de 10h por dia — enquanto que 32% ficam logados no aplicativo de 10h a 12h, e 17% realizam jornadas superiores a 12h.
 

Além disso, aproximadamente 61% dos entregadores que participaram da pesquisa declararam trabalhar sete dias por semana.
 

O resultado do levantamento contradiz informações apresentadas pelo próprio iFood, na sessão da CPI do dia 7 de dezembro de 2021, durante a qual fora afirmado que 70% dos trabalhadores passavam menos de 60 horas mensais logados no aplicativo — o que representa uma média de 2h por dia de trabalho.
 

Pejotização e informalidade

As investigações da CPI acontecem ainda em um cenário de avanço da “pejotização”, que se trata da prática de contratar um profissional por meio da constituição de uma pessoa jurídica, de forma a mascarar uma verdadeira relação de emprego, e também da informalidade das relações de trabalho no país.
 

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil registrou 96,5 milhões de pessoas ocupadas ao fim do primeiro trimestre de 2022, das quais apenas 36,4% — 35 milhões de brasileiros — trabalhavam sob regime CLT, ou seja, com carteira de trabalho assinada.
 

Dentro desse contexto, ainda que seja preciso aguardar um avanço mais acentuado dos trabalhos da comissão, é possível enxergar a importância da instauração da CPI dos Aplicativos, que pode cumprir um importante papel no sentido de esclarecer o comportamento fiscal e trabalhista das principais empresas do segmento no país.
 

De todo modo, ela já joga luz para uma questão essencial: se a tendência de digitalização do mercado é um movimento importante, com uma série de elementos positivos e que incluem também um maior dinamismo do mercado, ela deve vir acompanhada de leis e de uma fiscalização capaz de garantir direitos básicos das relações de trabalho previstos em nossa Constituição Federal, bem como Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Autor: Dhyego Pontes– Consultor Trabalhista e Previdenciário da Grounds. Com Pós-Graduação em Direito do Trabalho, o executivo possui mais de dez anos de experiência na esfera trabalhista e previdenciária, tanto na área contenciosa como consultiva.

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