O fim do DOC, PIX, regulação e o dinheiro de pedra
Por: Marcus Vinicius Macedo Pessanha*
Na ilha de Yap, localizada no arquipélago da Micronésia, a moeda local até poucos anos atrás se chamava fei, e sua representação não dependia de cédulas ou moedas, consistindo em rodas grandes insculpidas em rocha, sólidas, resistentes, cujo diâmetro pode variar de 30 centímetros até quatro metros, conhecidas como pedras rai. Não é difícil perceber que a portabilidade não é essencial para esta moeda, mas isso não é importante na ilha de Yap, existindo inclusive rai submersos no mar já há várias gerações, cuja transmissão se dá somente com a ajuste verbal entre seus titulares. No meio desse caminho, pedras, ossos, e muitos outros objetos já tiveram a função de meio de troca, unidade e reserva de valor, chegando até o presente momento da evolução do sistema bancário e das formas de transferência de recursos.
O fim do DOC (Documento de Ordem de Crédito) às 22h de 15 de janeiro de 2024 não despertou muita atenção nem gerou preocupação no mercado, talvez pela maior utilização do TED (Transferência Eletrônica Disponível) nos últimos anos, bem como pela adesão massiva ao PIX. Segundo dados da FEBRABAM, enquanto o DOC representou somente 0,005% das operações feitas no país em 2023, o PIX foi responsável por 17,6 bilhões de transações. E é fácil entender o porquê: enquanto o DOC, criado em 1985, permitia que as operações realizadas até as 21h59 fossem concluídas somente no primeiro dia útil seguinte, e com pagamento de taxas bancárias pela utilização, o PIX é instantâneo e gratuito. E o que vem pela frente?
O blockchain, que surgiu junto com o bitcoin, criptomoeda cuja promessa era eliminar os intermediários financeiros, como os bancos, já fez as pazes com o mercado bancário. Criptomoedas mais estáveis (stablecoins) vêm criando um ambiente mais seguro e previsível para investidores, e a regulamentação destas ferramentas começa a surgir aos poucos, tornando as negociações mais sólidas. Vários países, inclusive, já desenvolvem suas criptomoedas oficiais com seus bancos centrais (CBDCs – Central Bank Digital Currencies), a exemplo da China com o yuan digital e o Brasil com o DREX.
Na estrutura do extinto DOC, uma transferência de recursos realizada após as 22h somente seria disponibilizada na conta do beneficiário no segundo dia útil contado da ordem, ou seja: uma operação feita na sexta feira as 22h somente, seria concluída na terça feira seguinte, e não houvesse um feriado na segunda. Já uma transferência realizada por meio de moeda digital hospedada na blockchain é instantânea e gratuita, mesmo aos fins de semana. O DOC certamente não deixará saudades.
Na ilha de Yap, na Micronésia, as pedras rai foram substituídas pelo dólar norte americano como moeda corrente, mas não perderam sua utilidade de todo. São ainda usadas para resolver situações envolvendo costumes locais e conflitos familiares. Contudo, é inegável a percepção de que a ilha de yap antecedeu o surgimento das criptomoedas com seu dinheiro de pedra. O fei, a exemplo do bitcoin, se baseia em um sistema público com contabilidade comunitária, e na transparência nas transações fora de uma estrutura financeiro-bancária estatal centralizada, com uma vantagem em favor das moedas digitais: a cada dia que passa a tecnologia blockchain e os recursos tecnológicos facilitam a nossa vida trazendo agilidade, uma tendência que tende a permanecer em alta.
Perfil:
Marcus Vinicius Macedo Pessanha
Advogado especializado em Direito Administrativo, Regulatório e Empresarial. Formado pela UFRJ, pós-graduado em Direito Administrativo pela UFF, pós-graduado em Direito Empresarial pela UGF/RJ, e mestrando em Direito pela Universidade Autonoma de Lisboa – Portugal. Membro do IASP. Membro do GDA. Certificado EXIN-Svalin PDPE/PDPF/PDPP/ISO-IEC-27001. Autor do livro “Arbitralidade dos Litígio Envolvendo as Entidades da Administração Pública”, Editora Letras Jurídicas. Co autor de “Novidades e Desafios da Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Lei nº 14.133/2021”. Editora Lumen Juris. “As Implicações da Covid-19 no Direito Administrativo” Editora Thomson Reuters. “Os Novos Rumos do Saneamento – Tomo 1”. Editora Sinergia. “Improbidade Administrativa. Principais Aspectos da Lei nº 8.4291992 diante das alterações decorrentes da Lei nº 14.230/2021.” Editora Lumen Juris.