O metaverso e seus reflexos jurídicos
Muitas são as definições utilizadas para tentar definir o que seria o metaverso, porém só existe um consenso: realidade paralela ultraimersiva, como uma segunda vida no ambiente digital.
Sabe-se que os avanços são muitos, no entanto, no cenário oposto, a negação humana acompanha a evolução. É que no cenário lúdico muitos ficam incomodados com a mudança. É assim em todas as áreas da sociedade. Parafraseando Caetano Veloso, “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”. Na minha opinião, quem melhor define a atual realidade em que vivemos é Zygmunt Bauman, que afirma:
“Se procurarmos solidez e durabilidade nesses tempos líquidos, cedo ou tarde descobriremos como são poderosas as chances que conspiram contra nós. Mesmo assim, ele diz, ainda poderíamos resistir ou ignorar tais chances adversas, mas isso exigiria muito mais esforço em nadarmos contra a corrente.”
Foi assim com a web 1.0, que iniciou a digitalização do mundo físico para o digital; com a web 2.0, onde o ser humano passou a criar conteúdos; e atualmente com a web 3.0, um aglomerado de palavras como blockchain, NFT e metaverso, que para muitos, nada dizem. No entanto, basta lembrarmos os obstáculos do comércio virtual, que foi tido como uma derrota, mas que em 20 anos de existência superou o comércio presencial, demonstrando que independentemente do tempo, a realidade chega.
Esses fatos demonstram que o ser humano precisa de um conceito, um símbolo para aproximá-lo da experiência imersiva. O Brasil é um dos países em que mais se gasta tempo no mundo virtual. A pandemia mudou o modo em que interagimos (isso é inegável), nos aproximando do metaverso. Os escritórios físicos se tornaram virtuais, as reuniões presenciais agora são on-line.
Seguindo o fluxo da inovação, cita-se como exemplo, um gigante do varejo dos EUA, Walmart, que vai fabricar e vender no metaverso, oferecendo ainda, aos seus usuários, uma moeda virtual, além de NFTs. A Disney teve aprovada uma patente de simulador de mundo virtual. A tecnologia projetaria imagens 3D e efeitos virtuais em espaços físicos. A Nike se uniu à Roblox para criar um mundo online chamado Nikeland e, dezembro de 2021, comprou a empresa de tênis virtual RTFKT por um valor não divulgado.
No mundo jurídico contemporâneo sabe-se que primeiro surge o fato e, depois, a lei. A regulamentação específica é, ainda hoje, uma realidade distante, e nos obriga a recorrer às legislações existentes, tais como LGPD e o marco civil da internet, para solucionar as primeiras demandas da nova realidade virtual.
Assim, utilizando como fonte a Lei Geral de Proteção de Dados e questões extraterritoriais, uma plataforma hospedada nos Estados Unidos, mas com um usuário brasileiro, precisa cumprir a referenciada lei. Diante da lacuna legislativa, na minha opinião, para casos em que haja a realização dos negócios jurídicos, no ambiente virtual, é preciso atentar-se aos requisitos de validade determinados no Artigo 104 do Código Civil, a saber: i) agente capaz; ii) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; iii) forma prescrita ou não defesa em lei. Neste sentido, cumprindo esta norma, não se verifica impedimento para a realização das transações comerciais no metaverso.
Pelo exposto, afirma-se que a única certeza do momento é que muitos serão os desafios, sendo certo que o primeiro deles é aceitar a realidade como ela é – fruto de uma evolução permanente.
** Samira de Mendonça Tanus Madeira é advogada (OAB/ RJ 174.354), com especialização em Direito Processual Civil, Planejamento Sucessório e Direito Imobiliário. Extensão em Contract Law; From Trust to Promisse to Contract – Harvard University.Sócia do escritório Tanus Madeira Advogados Associados, fundado em 1983, com unidades nas cidades do Rio de Janeiro e Macaé- RJ.