Split payment: solução para a sonegação ou um peso para as empresas?

“Governo combate sonegação, mas impõe ônus ao mercado e prioridade na fila de recebimentos”, diz especialista

O split payment será um arranjo de pagamento eletrônico que permitirá às instituições financeiras vincular as informações da transação com os documentos fiscais, direcionando automaticamente a parcela do preço que incumbe ao fornecedor e, aos cofres públicos, a parcela relativa ao IBS/CBS.

“Ou seja, o comprador paga o preço pelo bem ou serviço, e o banco fica responsável por pagar o fornecedor e os tributos”, explica Livia Heringer, advogada do Ambiel Advogados, especialista e mestra em Direito Tributário, e especialista em Contabilidade, Controladoria e Finanças.

Com esse mecanismo, diz a tributarista, “o governo pretende reduzir a sonegação fiscal, ao garantir que os impostos serão pagos diretamente ao governo, facilitando o controle e a fiscalização sobre as operações comerciais e aumentando a arrecadação”. Segundo ela, também vai simplificar o processo de obrigações fiscais pelos contribuintes, uma vez que elimina a necessidade de repasse dos tributos aos cofres públicos via pagamento de guias de tributos.

“Sabemos que os sistemas de fiscalização tributária e de pagamentos eletrônicos no Brasil são bastante eficientes, mas um terceiro sistema, que faça a interface entre eles, ainda precisa ser desenvolvido pela administração tributária e instituições de pagamento. A previsão é de implementação em 2027”, conclui Livia.

Giancarlo Melito, especialista em Meios de Pagamento e Fintechs, sócio do Barcellos Tucunduva Advogados, concorda com a tributarista sobre a eficiência dos sistemas de pagamentos e lembra que isso é comum no mercado de câmbio, como o recolhimento do IOF, por exemplo. No entanto, ele entende que a medida é muito pesada, colocando nas costas das empresas de pagamento uma obrigação que, a priori, não deveria ser delas.

“Temos algumas empresas que já têm essa tecnologia desenvolvida, mas não são todas. E obrigá-las a desenvolver parece impor um custo que não é delas, além de uma obrigação que também não é delas. O governo deve ter medidas para cobrar os impostos, mas não impondo ônus ao mercado de pagamentos”, afirma Melito.

Governo primeiro, trabalhador depois – O especialista vê que ainda há muita discussão sobre como essa regra será implementada. Mas, nos moldes em que está sendo comentada, ele se colocaria contra a implementação, pois as empresas de pagamento seriam obrigadas a reter e repassar ao governo os impostos devidos por seus clientes, colocando o governo numa prioridade de recebimento, o que contraria inclusive a legislação atual.

“A lei diz que a prioridade de pagamento é trabalhista. Com o split, uma empresa com dificuldades de caixa não terá a opção de escolha entre pagar o tributo ou o empregado. Essa medida coloca o recebimento do imposto acima de todos, em evidente prejuízo para outros credores da empresa, em especial o trabalhista. Acho que esse é um ponto importante a ser debatido”, critica Melito.

Para André Felix Ricotta de Oliveira, professor doutor em Direito Tributário, sócio da Felix Ricotta Advocacia, coordenador do curso Tributação sobre o Consumo do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB/Pinheiros, o split payment vai prejudicar duramente o Simples Nacional.

“Quando uma empresa adquire uma mercadoria ou serviço de uma empresa optante do Simples Nacional, ela terá poucos créditos de IBS e CBS para abater. Com isso, as empresas do Simples terão a faculdade de recolher os impostos por fora, podendo acabar com Simples”, diz o tributarista.

Oliveira lembra que, diferente dos EUA, onde a tributação sobre o consumo é direta no consumidor final, no Brasil, o tributo é não cumulativo sobre toda a cadeia produtiva, em todas as relações de consumo até o consumidor final.

Outro ponto de atenção destacado pelo especialista é em relação ao fluxo de caixa das empresas. No sistema proposto, elas farão o pagamento antecipado dos tributos e, no final de mês, será feito o encontro de contas.

“Ainda não temos nada definitivo. Por isso, em tese, quando apurado o saldo a receber para a empresa, o prazo máximo para devolução é de três dias. O governo terá que ser muito ético e eficiente para devolver o dinheiro de uma forma rápida para não prejudicar o fluxo de caixa da empresa e, consequentemente, sua operação”, diz Oliveira.

Modelo de negócio na reforma tributária – O tributarista alerta que as empresas precisam estar atentas sobre como seu modelo de negócio vai se encaixar nessa nova sistemática tributária, já que, em 2027, começa o experimento com alíquota conjunta de 1% para o IBS e CBS e, provavelmente, o split payment estará funcionando.

“A maior parte dos contribuintes é formada por empresas que estão no Simples Nacional. São empresas com pequena receita e fluxo de caixa. Não pode faltar dinheiro no dia a dia para não atrapalhar seu negócio”, alerta Oliveira.

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