Tragédia-crime de Brumadinho: decisão do ministro do STF André Mendonça aumenta o risco de impunidade
O risco de impunidade no caso do rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), ganhou mais um capítulo hoje, sexta-feira (9/12). Em julgamento virtual da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro André Mendonça decidiu mudar seu voto e permitir que a ação penal, que vai apontar os responsáveis pela tragédia-crime, seja julgada pela Justiça Federal. A decisão de Mendonça contraria o voto do relator do caso no STF, ministro Edson Fachin, que em junho havia devolvido a ação para a Justiça do Estado de Minas Gerais.
“A AVABRUM (Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão) recebe a notícia do voto de André Mendonça com muito desapontamento, tristeza e indignação. Mesmo com tantas provas da tragédia que já constam no processo em trâmite na Justiça do Estado de Minas Gerais, o ministro não atende o clamor das famílias e volta atrás no voto que tinha dado em outubro, aumentando o nosso sofrimento. Este é um voto de injustiça”, afirmou a vice-presidente da AVABRUM, Andresa Rocha Rodrigues, mãe de uma das vítimas da tragédia-crime, Bruno Rocha Rodrigues, que era funcionário da mineradora Vale.
Com a decisão de Mendonça, houve empate na votação virtual da Segunda Turma do STF. Além de Fachin, o ministro Gilmar Mendes votou para que o processo criminal tramite na Justiça do Estado de Minas Gerais, enquanto os ministros André Mendonça e Nunes Marques manifestaram-se a favor de que o julgamento da ação ocorra na Justiça Federal. O ministro Ricardo Lewandowski não votou por declarar-se suspeito.
Segundo Andresa, o empate representa mais uma “parada” no andamento do processo até que seja definido qual será o ministro do STF que desempatará o placar. “Essa é uma decisão que nos causa sofrimento. Estamos há quase quatros anos numa caminhada de dor e de luta”, disse.
O julgamento virtual da Segunda Turma foi necessário após uma manobra jurídica de réus do processo penal da tragédia-crime, que pedem a transferência do caso para a Justiça Federal. Havia expectativa de que esta votação fosse concluída em outubro deste ano, mas André Mendonça pediu vistas após votar como o relator Fachin.
Na última terça-feira (6/12), Andresa e outras três integrantes da diretoria da AVABRUM – Maria Regina da Silva, Jacira Francisca Costa e Andreia Martins — participaram de algumas iniciativas, em Brasília, para que o STF mantenha a competência da Justiça do Estado de Minas Gerais para julgar o processo criminal sobre o rompimento da barragem da Vale, ocorrido em 25 de janeiro de 2019, na cidade de Brumadinho (MG), resultando em 272 vítimas fatais.
As quatro diretoras da AVABRUM e o deputado federal/MG Rogério Correia estiveram no STF, onde foram recebidos, de forma atenciosa, pela ministra Cármen Lúcia. Na audiência, o grupo relembrou os entes perdidos na tragédia-crime, o desgaste emocional e a luta por justiça que tem sido travada na esfera judicial. Também foi protocolado um documento com a memória do processo até o momento.
Assim como Andresa, Maria Regina, Jacira e Andreia também perderam familiares no rompimento. A técnica em manutenção da Vale Priscila Elen Silva (filha de Maria Regina), o mecânico da Vale Thiago Mateus Costa (filho de Jacira) e o funcionário da mineradora Edgar Carvalho Santos (marido de Andreia) estão entre as 272 vítimas da tragédia-crime.
No encontro com Cármen Lúcia, Andresa ressaltou para a ministra a importância de manter o processo criminal na Justiça Estadual de Minas Gerais, local onde o crime ocorreu. “Não podemos permitir que esse crime volte à estaca zero, tornando nulos os quatro anos que caminhamos sobre espinhos”, argumentou. As representantes da AVABRUM também estiveram no gabinete de André Mendonça, onde foram recebidas pelo juiz auxiliar e por um dos assessores do ministro.
No final de setembro, Andresa e Jacira também estiveram no STF, acompanhadas dos advogados da assessoria jurídica da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (RENSER) Danilo Chammas e Maria Victoria Salles, quando visitaram os gabinetes dos cinco ministros da Segunda Turma, sendo atendidos pelos seus assessores.
Entenda o caso
Em junho deste ano, o ministro da Segunda Turma do STF Edson Fachin devolveu à Justiça mineira a competência para julgar a ação penal sobre a tragédia-crime de Brumadinho. Relator do caso, Fachin derrubou uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que havia acolhido um recurso de dois réus do processo – o ex-presidente da Vale Fábio Schvartsman e o engenheiro Felipe Figueiredo Rocha, que trabalhava na Vale -, definindo que a Justiça Federal seria competente para julgar a ação.
Com a decisão de Fachin, o processo criminal pôde voltar a tramitar no seu foro inicial, a Comarca de Brumadinho. Entretanto, a Segunda Turma do STF passou a reanalisar a decisão de Fachin em virtude de recursos que foram protocolados por Schvartsman e por Figueiredo Rocha.
O processo criminal começou a tramitar na Justiça mineira em fevereiro de 2020 com o acolhimento da denúncia do Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) contra 16 pessoas por homicídio qualificado por 270 vezes (270 pessoas mortas). A denúncia também abrangeu a Vale e a subsidiária no Brasil da empresa de consultoria alemã Tüv Süd, responsável por atestar a segurança da barragem que se rompeu.
A AVABRUM atua pelo reconhecimento de 272 vítimas, visto que duas delas estavam grávidas. Ainda falta a localização de 4 vítimas da ruptura da barragem na Mina Córrego do Feijão, que é o maior acidente de trabalho da América Latina.