Vale-pedágio: o surgimento de uma nova indústria da indenização?

Por Ana Ligia Alves Ferreira Fantinato e Luíza Pattero Foffano

Previsto na Lei nº 10.209 de 2001, o vale-pedágio é o valor que, obrigatoriamente, deve ser disponibilizado aos transportadores autônomos ou às empresas a eles equiparadas, em apartado do frete, para ser utilizado nos deslocamentos pelas rodovias brasileiras. Assim, criada há mais de duas décadas, a legislação buscou assegurar que o embarcador efetue, antecipada e separadamente do frete, o pagamento desta despesa ao transportador.

Após a implementação da legislação, diversas disputas foram levadas aos Tribunais, especialmente uma questão relacionada ao artigo 8º da norma, cujo texto estabelece que caso o vale-pedágio não seja pago conforme o tempo e a forma previstos na lei, o embarcador tem a obrigação de compensar o transportador com uma quantia equivalente ao dobro do frete.

Não por outra razão, a questão foi levada ao Supremo Tribunal Federal (STF)[1] que, de forma definitiva, decidiu ser constitucional que o motorista receba o frete em dobro caso não tenha recebido o vale-pedágio antes de iniciar a viagem.

A partir desta decisão, em 2020, as empresas que não anteciparam o pagamento do vale-pedágio obrigatório passaram a ser judicialmente demandadas, pois os transportadores buscaram receber os valores devidos, incluindo as correções, dentro de um período de dez anos e, apenas com a edição da Lei nº 14.229/2021, conhecida como a Lei do Frete, é que esta cobrança ficou limitada ao período de 12 meses.

A intenção do legislador, ao prever a indenização pelo não adiantamento do vale-pedágio, foi proteger os interesses dos transportadores autônomos e das pequenas empresas de transportes, com até três veículos na frota, perante as grandes companhias que utilizam o transporte rodoviário de cargas.

Contudo, nos últimos anos, muitas empresas de transporte de cargas, especialmente as que se encontram em crises financeiras, têm se valido do instituto para buscar indenizações milionárias, fundadas em serviços prestados por vários anos e que não contavam com o adiantamento da verba, jamais solicitada.

As empresas devem se conformar às disposições da lei. No entanto, a interpretação pode estabelecer uma burocracia que acarreta um aumento nos custos do serviço prestado. Isso ocorre porque a responsabilidade de determinar o valor do vale-pedágio a ser pago antecipadamente é atribuída ao embarcador, o qual deve lidar com essa tarefa, quando, na realidade, essa responsabilidade deveria recair sobre a empresa de transporte contratada. Essa situação resulta em uma perda de eficiência e aumenta os custos ao longo da cadeia de transporte.

Ainda, ao estabelecer que a penalidade seja calculada com base no valor do frete, a decisão do STF vem resultando, na prática, em indenizações que ultrapassam significativamente o valor do vale-pedágio. Essa situação vai contra o princípio da proporcionalidade, porque utiliza como base de cálculo o valor do frete e não o valor do pedágio cobrado no trecho percorrido.

Importante salientar, ainda, que em demandas como estas, incumbe ao transportador, seja ele contratado ou subcontratado, a responsabilidade de apresentar provas de ter realizado o transporte de carga, bem como evidenciar a existência das praças de pedágio, indicando sua localização e os valores cobrados na época do transporte. Isso deve ser feito levando em consideração as concessionárias e as praças existentes ao longo do percurso, desde a origem até o destino das cargas.

Após essas etapas, ocorre a inversão do ônus da prova, sendo incumbência do embarcador, tomador ou subcontratante demonstrar e fornecer evidências de que o vale-pedágio obrigatório foi entregue antecipadamente ao transportador, em cada embarque em que essa obrigação lhe era exigível e a respeito de cada praça de pedágio percorrida pelo contratado.

Por isso, é importante que, ao ser demandado judicialmente, o embarcador, tomador ou subcontratante verifique os seguintes pontos: a empresa efetivamente se equipara a um transportador autônomo? A própria empresa prestava os serviços, sem subcontratação? A empresa já apresentou alguma reclamação sobre o não adiantamento da verba durante a prestação dos serviços?

Se a resposta a pelo menos um dos questionamentos for “não”, será necessário que o pedido seja judicialmente afastado, evitando-se, assim, a consolidação de um cenário antieconômico, pois propício à proliferação da prática oportunista de se reivindicar indenizações em razão da não antecipação do vale-pedágio.

* Ana Ligia Alves Ferreira Fantinato é advogada especialista da área Cível do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

* Luíza Pattero Foffano é advogada especialista da área Cível do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

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