Subordinação por algoritmo: empreendedores, empregados ou o quê?
Por Thays Brasil, advogada trabalhista e sócia no Feltrin Brasil Tawada Advogados
“A proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação de emprego (CF/1988, art. 7º).”
As palavras são do Ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF) que, embora tenham sido proferidas em decisão que dispõe sobre transporte rodoviário de cargas, introduz um questionamento que – até o momento – não existe resposta legislativa segura, afinal: qual é o enquadramento jurídico mais adequado àqueles trabalhadores que prestam serviços para as mais diversas plataformas digitais existentes no mercado? Será que existe subordinação por algoritmo?
É inegável que a atual sociedade em que vivemos está dominada por algoritmos, o que – por certo – afeta não apenas as nossas relações pessoais, mas também as relações de trabalho. É inegável também que, em meio a algumas inevitáveis consequências ruins do avanço tecnológico, ela veio para facilitar a vida de todos nós.
Dentre essas tecnologias está a inteligência artificial das plataformas de intermediação de prestação de serviços. Sobretudo após a pandemia, estamos acostumados a utilizar tais plataformas digitais para pedir comida, bebida, transporte de pessoas e objetos, serviços de beleza, entre outros milhares de serviços existentes.
Assim, importante pontuar que não analisaremos aqui a forma da prestação de serviços (até mesmo porque, isso demandaria analisar um caso concreto, o que não é o objetivo) e nem tampouco as consequências sociais que acarretam, já que há grande controvérsia sobre a geração de trabalho e precarização da mão de obra.
Diferente disso, o presente texto se propõe apenas à análise da situação jurídica em si, já que não é raro encontrarmos profissionais que trabalham com plataformas digitais acionarem o poder judiciário em busca do reconhecimento do vínculo empregatício, como forma de garantir o pagamento dos direitos previstos na Consolidação das leis Trabalhista (“CLT”).
Indo direto ao ponto, a bem da verdade é que enquanto não houver uma norma que regulamente o tema, o entendimento majoritário da Corte Trabalhista é no sentido de que a inteligência artificial ainda não é suficiente para a caracterização do vínculo empregatício, pois os requisitos legais não são preenchidos de forma cumulativa.
É que com a era digital, com aplicativos e toda a evolução tecnológica, surge a necessidade de uma atualização legislativa, tendo em vista o novo modelo de negócios conhecido atualmente pela alcunha de “economia do compartilhamento”. A mesma utilizada para descrever plataformas de software que conectam compradores e vendedores, locadores com locatários, motoristas e usuários.
Pois bem. Nesses exemplos, em que as empresas são meras fornecedoras de serviços de tecnologia – que não presta serviços de transporte, não funciona como transportadora, nem opera como agente para o transporte de passageiros, por exemplo – até é possível verificar a presença de alguns elementos elencados da CLT para a caracterização do vínculo empregatício, no entanto, ainda lhe falta o principal deles: o da subordinação.
Isso porque a figura do empregador, a quem cabe fiscalizar e acompanhar continuamente a atividade prestada pelo profissional, passando as determinações de como, quando e onde ser prestado, não estão presentes nessa relação, exercendo o poder diretivo. Além disso, o profissional parceiro tem liberdade para decidir o dia e o horário em que deseja trabalhar, além de – inclusive – poder prestar os mesmos serviços por meio de plataformas digitais concorrentes (o que, caso fosse uma relação empregatícia, seria motivo de justa causa, como prevê o artigo 482, “c”, da CLT).
Como dito anteriormente, claro que cada caso é um caso e sabe-se que existem riscos de precarização do trabalho e camuflagens de vínculos. Não obstante a isso, não se pode generalizar qualquer forma de tecnologia e nem tampouco querer configurar um vínculo de emprego em toda e qualquer relação de trabalho que envolva intermediação digital por inteligência artificial.
Afinal, interpretar toda e qualquer relação de trabalho como um vínculo de emprego fere a autonomia da vontade e impede o crescimento e o surgimento de novas formas de prestações de serviços e fontes de renda.
O assunto ainda é palpitante e, certamente, demanda mais decisões, mais discussão. Tornando-se, porém, urgente uma regulamentação própria, ainda que não seja absolutamente idêntica à proteção que tem, vamos dizer, um trabalhador comum, que se encaixa no artigo 3º. Fato é que o Poder Judiciário não pode responder sozinho por isso sem uma base legal.
Por fim, como bem disse o Ministro do TST, Ives Gandra Martins, relator do último acórdão proferido pela 4ª Turma do TST, envolvendo a matéria, as novas formas de trabalho e a incorporação de tecnologias digitais vem provocando uma profunda transformação na Justiça do Trabalho, mas ainda carecem de regulamentação específica para que seja possível distinguir de uma legítima relação de “emprego”.
Seja como for, cabe ressaltar que a matéria já está sendo examinada pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), órgão responsável pela uniformização da jurisprudência das Turmas do TST, a fim que a temática seja pacificada.*Thays Brasil é advogada trabalhista com ampla experiência na área. Formada em Administração de empresas com ênfase em Marketing pela Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC) e em Direito pela Universidade do Sul do Estado de Santa Catarina. Possui, ainda, duas pós-graduações em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, a primeira pela Faculdade Damásio de Jesus e a segunda pela Fundação Getúlio Vargas. Com mais de 12 anos de formação, integrou equipes de bancas brasileiras de grande renome, com atuação em processos estratégicos, participando na definição de teses e estratégias processuais e consultivas, bem como na análises de risco e prognósticos de processos. Também atuou perante o Ministério Público do Trabalho.