Os novos princípios do Sistema Tributário Nacional e a Reforma Tributária
Dentre as diversas inovações trazidas pela Reforma Tributária, temos uma bastante interessante, e que está relacionada com a organização e posicionamento das normas no ordenamento jurídico fiscal: a criação de 6 (seis) novos princípios no Sistema Tributário Nacional, em matérias bastante sensíveis aos contribuintes e a sociedade contemporânea. Contudo, para melhor compreendermos a importância da inserção dos referidos princípios no artigo 145, parágrafos terceiro e quarto da Constituição Federal, pela Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023, precisamos observar como se consolidou a legislação tributária ao longo dos anos.
Nosso Código Tributário Nacional, veiculado pela Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, foi elaborado durante o período militar, refletindo em seu conteúdo, um relacionamento formal e baseado na autoridade do Poder Público em face dos contribuintes. Tal situação começou a ganhar novos ares com a Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, a qual tornou o Brasil um Estado Democrático de Direito, dotado de objetivos fundamentais como por exemplo, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais.
A Constituição Federal inaugurou um novo regime para a atividade produtiva reconhecendo também a Função Social da Empresa, em seu artigo 170, inciso III, que se condensa em sua responsabilidade na contribuição para a sociedade além do lucro. A atividade empresarial, desta maneira, se vincula a promoção da igualdade, a criação de empregos, o respeito ao meio ambiente, de uma forma leal e ética. A Reforma Tributária possui, portanto, impactos diretos na atividade empresarial e nas relações da iniciativa privada com a administração fazendária.
Com a redemocratização, o relacionamento entre fisco e os contribuintes, em especial com o empresariado, começou a se modificar, e a tributação começou a ser encarada como uma das bases da democracia, pois é com os recursos obtidos junto a população e às empresas, que o Estado mantém as suas atividades e disponibiliza serviços públicos. O diálogo entre segurança jurídica e princípios tipicamente de proteção do cidadão, tais como a isonomia e a capacidade contributiva, ganha corpo na jurisprudência e na legislação.
A inserção de 6 (seis) novos princípios no texto constitucional, assim, reflete a tendência cada vez maior de racionalizar a atividade arrecadatória estatal, tornando-a como uma contrapartida natural ao exercício dos direitos e fruição de serviços, tais como segurança pública, saúde, educação, dentre outros, insculpidos na carta cidadã.
Portanto, além dos já tradicionais princípios tributários da legalidade, isonomia, capacidade contributiva, irretroatividade da lei tributária, anterioridade, e do não-confisco, a Emenda Constitucional nº 132/2023 inseriu no parágrafo terceiro do art. 145 de nossa Constituição Federal os novos princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente, e o da atenuação dos efeitos regressivos, no parágrafo quarto. É importante destacarmos que os novos princípios, mais do que normas jurídicas, veiculam compromissos do Sistema Tributário Nacional com uma atividade arrecadatória mais eficiente, transparente e inclusiva, com fortes traços de inclusão e consenso junto aos contribuintes. Vejamos de maneira breve o conteúdo de cada um deles.
O princípio da simplicidade determina que tanto a criação de tributos, quanto a fiscalização das obrigações tributárias principais e acessórias, devem se pautar pela clareza e pela praticidade, ou seja: é essencial sempre facilitar o cumprimento dos deveres dos contribuintes, buscando ao máximo as formas menos onerosas e menos complexas possíveis de atuação.
A ideia de transparência não é nova na Administração Pública, já sendo objeto de tutela em diversos ramos do direito, não se limitando a divulgação de informações orçamentárias ou de políticas públicas. Trata-se, principalmente, de conferir legitimidade a todas as medidas do Poder Público diminuindo a distância entre a população e o Estado.
No âmbito tributário, o novo princípio da transparência possui estrito relacionamento com a facilitação do acesso às melhores práticas fiscais, à legislação tributária e à disponibilização de informações sobre benefícios fiscais e sobre as obrigações principais e acessórias.
Já o princípio da justiça tributária determina que o processo de arrecadação fiscal deve se mostrar justo e isonômico para todos os contribuintes e para a Fazenda Pública, observando critérios de igualdade, capacidade contributiva e não confisco. John Rawls já se debruçou sobre esta matéria, a afirmar que um sistema tributário justo é aquele que estimula a dispersão da riqueza e evita acumulações de capital e renda consideradas excessivas, preservando assim a justiça social e o desenvolvimento econômico intergeracional.
Por sua vez, o princípio da cooperação conduz o relacionamento entre contribuintes e fisco em direção a consensualidade na resolução de conflitos, reduzindo os traços adversarias da resolução de litígios. A Fazenda Pública, em um contexto de cooperação com os particulares, busca reduzir sensivelmente sua característica autoridade punitivista e assumir uma posição de colaboração de forma horizontal com as empresas. Em especial em atividades tais como a redução da carga tributária, eficiência fiscal e respeito mútuo na disponibilização de informações.
A sustentabilidade e a preservação do ecossistema ganham papel de destaque em matéria fiscal com o princípio da proteção ao meio ambiente, dotado de elevados graus de extrafiscalidade. O referido princípio busca incentivar a proteção ao meio ambiente sustentável, bem como o desestímulo a quaisquer práticas danosas aos recursos naturais e aos biossistemas.
O princípio da proteção ao meio ambiente será implementado na prática por meio de medidas como a tributação específica de atividades ou produtos prejudiciais ao meio ambiente, com o incentivo fiscal a práticas ambientalmente sustentáveis, com a desoneração fiscal de produtos ecológicos, bem como com a cobrança de taxas e pela extração de recursos naturais, ou por impactos causados ao meio ambiente.
Por fim, no parágrafo quarto temos a inserção do princípio da atenuação dos efeitos regressivos, que em matéria fiscal busca mitigar os traços de alguns tributos cuja incidência tende a onerar mais gravosamente contribuintes de menor renda, o que deve ser evitado com a Reforma Tributária.
A grande expectativa do meio jurídico e do empresariado em relação a Reforma Tributária, no fim das contas, é que na prática a tributação da atividade produtiva seja simplificada e os custos reduzidos. Caso a vontade do legislador ao trazer os valores representados pelos novos princípios inseridos no texto constitucional venha a se concretizar no dia a dia, estaremos no caminho certo.