Aplicação da cláusula de não concorrência nos contratos de franquia: tema não está pacificado nos tribunais

Daniel Cerveira e Maria Luisa Constâncio*
A cláusula de não concorrência, dispositivo presente em grande parte das Circulares de Oferta de Franquia e respectivos contratos, de modo a atender as exigências do Art. 2º, XV, “b” e XXI da Lei de Franquia, tem por objetivo impedir que o Franqueado, durante a vigência e em prazo razoável após término ou rescisão do contrato, desenvolva atividades concorrentes àquelas realizadas pela Franqueadora, visando proteção ao Sistema desta última, tendo em vista o acesso, pelo franqueado, a todo Know-How e demais informações confidenciais do Titular ou requente dos direitos da marca.
Há três elementos essenciais para que a cláusula de não concorrência seja considerada lícita e exequível, que variam de acordo com as particularidades de cada franqueado e com a negociação realizada, a fim de evitar eventual concorrência desleal e prezar pela boa-fé contratual. Abaixo listamos estes elementos:
• Limitação Temporal (Prazo Razoável): observância da Franqueadora ao prazo de duração da cláusula após término ou rescisão do contrato e a aplicabilidade do Art. 1147 do Código Civil, que especifica prazo de 5 (cinco) anos, se ausente autorização em contrário, para que não haja concorrência entre as partes;
• Limitação Territorial: verificação da aplicabilidade de limitação geográfica, seja esta de abrangência internacional, nacional, estadual, municipal ou em local específico negociado pelas partes, de acordo com o princípio da razoabilidade e, não menos importante, do próprio perfil de atuação do Franqueado;
• Limitação do Ramo de atividade: a restrição da cláusula de não concorrência, a depender do caso, terá de ser sobre as atividades específicas desenvolvidas pelo Franqueado durante a relação de franquia, não sendo recomendado, por exemplo, a vedação a qualquer atividade comercial independente do ramo.

No entanto, há posições contrárias a exigência dos três itens listados acima para que a cláusula tenha alguma validade jurídica, visto que, para alguns juristas, são necessários apenas dois elementos.

Tal impasse se mostra através das decisões judiciais que ora anulam a cláusula e ora modulam seus efeitos de acordo com a razoabilidade, como é observado nos seguintes casos:

  1. Apelação, processo número nº 1004021-74.2020.8.26.0010, na qual foi reconhecida a abusividade da cláusula de não concorrência, modulando os efeitos para inclusão dos elementos essenciais;
  2. Sentença proferida nos autos do processo nº 1028879-28.2017.8.26.0576, deixando o julgador de aplicar a cláusula de não concorrência ao Franqueado, sem fundamentação específica;
  3. Acórdão proferido nos autos da Apelação Civil nº 1078429-57.2020.8.26.0100, para tornar sem efeito a aplicação da cláusula de não concorrência, diante da ausência de limitação territorial, considerando-a abusiva.

Em suma, os tribunais encontram-se divididos quando da aplicação da cláusula de não concorrência, principalmente se demonstrada falta de alguns dos elementos essenciais descritos. Diante desta situação, cabe refletir: até que ponto a interferência do judiciário na aplicação da referida cláusula se torna um obstáculo ao Pacto Sun Servanda?

Isto posto, podemos entender que a modulação de efeitos, quando de cláusulas que realmente fujam do princípio da boa-fé e razoabilidade, seja a melhor maneira de dar início a resolução destes impasses, respeitando, ao máximo, o princípio da intervenção mínima do Estado nos contratos entre particulares.

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