Balança do judiciário: mais uma vez desequilibrada em favor da Fazenda Pública

Ações rescisórias ajuizadas pela União para reabrir processos e cancelar altas somas em créditos obtidos pelo contribuinte com a chamada “tese do século”, que determina a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins, foram derrubadas, monocraticamente, no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na decisão do ministro Herman Benjamin foram observadas a segurança jurídica e a coisa julgada, dois princípios constitucionais que coexistem para assegurar a manutenção da ordem.

O objetivo das ações rescisórias impetradas pela União é desfazer os efeitos de sentença transitada em julgado, ou seja, da qual já não cabe mais recurso.

Nos tribunais regionais federais (TRFs), a quase totalidade das decisões sobre rescisórias é favorável à União. Ocorre que com os créditos anulados pelos TRFs, a partir das rescisórias, os tributos ficam descobertos, sujeitos a pagamento pela empresa acrescido de juros e multa.

Se não houvesse a reversão das decisões que beneficiam o Fisco, o contribuinte estaria fadado ao endividamento, uma vez que os créditos obtidos a partir do que foi pago a mais em PIS/Cofins têm sido utilizados pela maioria para quitação de tributos. Neste sentido, o entendimento do ministro Benjamin, do STJ, que faz valer o transitado em julgado, representa um grande alívio para as empresas.

De 2022 para cá, centenas de ações rescisórias foram ajuizadas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). A rescisória, vale lembrar, pode ser proposta em até dois anos. Neste caso, a PGFN contou o prazo a partir do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a exclusão do ICMS do cálculo de PIS/Cofins e o direito das empresas de receberem de volta o que foi desembolsado a mais. A decisão do STF transitou em julgado em setembro de 2021.

No alvo das rescisórias estão empresas que ingressaram com ações depois de março de 2017, quando o STF já havia decidido o mérito. Estes contribuintes obtiveram decisão definitiva, com garantia do direito ao crédito antes do julgamento dos embargos de declaração, que ocorreu em maio de 2021.

Mas existem pontos de discussão sobre esse julgamento de 2021. Isso porque os ministros do Supremo aplicaram o que chamamos de “modulação de efeitos à decisão do mérito”. Em uma explicação breve, o STF fez um recorte do tempo utilizando como data-base o julgamento de mérito. A situação ficou assim: de 15 de março de 2017 em diante, nenhum contribuinte precisava mais recolher PIS e Cofins com o ICMS embutido no cálculo.

Em meio a isso, observamos situações diferentes a respeito da recuperação dos valores pagos no passado. Em linhas gerais, quem ingressou na Justiça antes de 15 de março de 2017 tem o direito à restituição integral, com a aferição dos créditos retroagindo até cinco anos antes do ajuizamento da ação.

Mas o que ocorre com a empresa que deixou para ajuizar mais tarde a ação? Em uma explicação bem prática, quem entrou com o processo em 2018, pode recuperar o que pagou de forma indevida somente desde 2017.

Entre a decisão de mérito e a conclusão do caso por meio de embargos, contam-se quatro anos de demora do STF. E muitas empresas que ajuizaram ações depois de março de 2017 já haviam obtido decisões transitadas em julgado e vêm utilizando os créditos para pagar tributos correntes.

Neste ponto é que entram em cena as rescisórias como ação da União para impedir o uso desses créditos. A PGFN se vale do argumento de que as decisões violam a modulação de efeitos e, então, pede adequações.

Para entender a frustração do contribuinte, coloque-se no lugar dele, ajuizando uma ação e, a partir daí, tendo o seu direito reconhecido e realizando a compensação dos créditos. Caso encerrado? Não é bem assim. Anos mais tarde, a União ingressa com uma ação rescisória e argumenta que os créditos não poderiam ter sido utilizados.

Diante de tantas divergências, a favor do contribuinte está a “tese do século”. E nunca é demais lembrar que todo o julgamento sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo de PIS e Cofins no STF está pautado pelo regime de repercussão geral.

Por fim, estamos diante de um cenário recorrente no Brasil. Todas as causas que podem favorecer a União acabam no Supremo Tribunal Federal, onde se “tenta justificar” o que é injustificável. Ou seja, por esforço, é proposto o viés constitucional para algo que tem viés legal, o que favorece a União, em total detrimento do contribuinte.

*Leandro Nagliate – OAB/SP 220.192. Advogado formado em 2003 pela PUC de Campinas, é especialista em direito previdenciário e tributário. Leandro é sócio da Nagliate e Melo Advogados, em Campinas.

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