A obrigatoriedade da anuência da instituição financeira em contratos de gaveta no âmbito do SFH
É fundamental a análise da documentação do imóvel nos processos envolvendo o sistema financeiro habitacional.
Por Bruna Carolina Bianchi de Miranda
Entre tantas peculiaridades envolvendo o sistema financeiro habitacional, a identificação do vínculo com a apólice pública (Ramo 66) é de extrema relevância para o desfecho do processo. O mecanismo mais eficaz e célere é a análise de vínculo. Consiste em analisar os documentos trazidos pelos mutuários (autores), muitas vezes “gaveteiros” e herdeiros. Para estes casos, a elaboração da estruturação da análise de vínculo também é imprescindível para demonstrar a cadeia de aquisição do imóvel e a relação do vínculo do autor da demanda com o mutuário original.
No cerne da análise dos contratos de gaveta, dos “mutuários gaveteiros”, são relevantes a análise documental e o mapeamento da aquisição do imóvel, a fim de identificar a legitimidade do mutuário cessionário do contrato celebrado e o mutuário cedente com a intuição financeira, para demandar em juízo a revisão de cláusulas contratuais.
Para análise da legitimidade ativa dos cessionários mutuários que ingressam com ação judicial em nome próprio, que possuem contratos celebrados até 25/10/1996, deve ser observado a existência ou não da cláusula contratual de cobertura pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais, o FCVS.
Tal observância definirá a regularização dos contratos e a legitimidade ativa da demanda, uma vez que, para contratos de mútuo para aquisição de imóvel garantido pelo FCVS, são regularizadas de forma automática sem a necessidade da anuência da instituição financeira, através da simples substituição do devedor, mantidas para o novo mutuário as mesmas condições e obrigações do contrato original, desde que se trate de financiamento destinado à casa própria, observando-se os requisitos legais e regulamentares, inclusive quanto à demonstração da capacidade de pagamento do cessionário em relação ao valor do novo encargo mensal. Assim dispõem os artigos 20 e 22 da Lei nº 10.150/2000 e o artigo 2º da Lei nº 8.004/90.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, sob o rito do julgamento dos recursos o repetitivos, pacificou o tema da legitimidade ativa do cessionário no caso dos contratos de gaveta, consignando que a “cessão de direitos sobre imóvel financiado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação realizada após 25/10/1996, a anuência da instituição financeira mutuante é indispensável para que o cessionário adquira legitimidade ativa para requerer revisão das condições ajustadas, tanto para os contratos garantidos pelo FCVS como para aqueles sem referida cobertura” (REsp 1150429/CE, Rel. Ministro Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, DJe 10/05/2013).
Para os contratos de mútuo sem cobertura do FCVS, a transferência de direitos e obrigações decorrentes não é automática, e somente ocorrerá a critério da instituição financiadora, mediante assunção pelo novo mutuário, nos termos do artigo 3º da lei 8.004/1990 e artigo 23º da ei 10.150/2000, de modo que o terceiro adquirente só terá legitimidade ativa para ajuizar ação relacionada ao contrato de cessão se o agente financeiro tiver concordado com a transação.
Logo, “o contrato objeto de renegociação será formalizado por meio de instrumento particular de aditamento contratual, com força de escritura pública, dispensando-se registro, averbação ou arquivamento no Registro de Imóveis e no Registro de Títulos e Documentos”, conforme dispõe o parágrafo único do artigo 23 da lei 10.150/2000.
Diante de tal peculiaridade, em novembro de 2022, a 5ª turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, manteve a sentença que julgou extinto o processo sem resolução do mérito, por ilegitimidade ativa e ausência de condição de procedibilidade para pleitear revisão de contrato vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação, visto que a cessão de direitos ocorreu após a data estabelecida prevista pela lei, sendo indispensável a anuência da instituição financeira. A referida decisão transitou em julgado em 11/10/2022 (processo nº 0000342-85.2010.4.01.3301).
A decisão teve como objeto “o contrato de financiamento no âmbito do SFH firmado, em 10/11/1998, pelo agente financeiro e o mutuário original. Em 26/10/2005, por meio de contrato particular, houve a cessão dos direitos sobre o imóvel ao cessionário/autor, ocorrido após a data limite determinada pelo legislador e sem a participação/anuência da instituição financeira”.
Assim, é fundamental a análise da documentação do imóvel nos processos envolvendo sistema financeiro habitacional, pois além de identificar a classificação da apólice pública ou privada, ela definirá a tese jurídica que deverá ser adotada pela seguradora. Uma vez identificada ausência dos requisitos exigidos por lei, a defesa será conduzida de forma adequada e, assim, afastará eventuais condenações onerosas atribuídas às seguradoras.
*Bruna Carolina Bianchi de Miranda é advogada no Rücker Curi Consultoria e Advocacia Jurídica