Governo institui plano de combate ao assédio na administração federal
Órgãos terão até 120 dias para criar planos setoriais. Portaria prevê criação de rede de acolhimento e medidas contra a retaliação
Esther Dweck assinou portaria do plano de enfrentamento ao assédio / crédito: Adalberto Marques/MGI
Em portaria publicada no Diário Oficial da União, nesta quarta-feira (1/10), o governo instituiu o Plano Federal de Prevenção e Enfrentamento do Assédio e da Discriminação na Administração Pública. O plano deverá ser implementado por todos os órgãos federais em até 120 dias e cria a Rede Federal de Prevenção ao Assédio e a Rede de Acolhimento das Vítimas.
O plano foi elaborado após um quase um ano de discussões em um grupo de trabalho interministerial, criado em 2023, e, posteriormente, passou por longo processo de análise entre técnicos do governo. Antes de sua publicação, o presidente Lula assinou, em dia 31 de julho, o decreto que criou o Programa de Combate ao Assédio, com as principais diretrizes do plano, que, efetivamente, será responsável por executar as medidas de prevenção e enfrentamento.
“O Plano Federal de Prevenção e Enfrentamento do Assédio e da Discriminação (PFPEAD) na Administração Pública Federal (APF) propõe-se a erradicar todas as formas de violências oriundas das relações de trabalho, com especial atenção ao assédio moral, ao assédio sexual e à discriminação”, informa a portaria assinada pela ministra da Gestão e da Inovação Esther Dweck.
O JOTA acompanha a formulação deste plano desde 2023, e antecipou, em maio, algumas de suas linhas gerais. Ao longo de um ano e meio, foram cerca de 30 reuniões, oficinas e encontros com especialistas para chegar ao texto final, cuja publicação acabou atrasando, segundo técnicos do governo, pelo processo de coleta de anuência de todos os órgãos envolvidos.
A portaria tipifica três condutas classificadas como assédio: Assédio Moral, Assédio Moral Organizacional e Assédio Sexual, além de “outras condutas de natureza sexual inadequadas” e a discriminação. Haverá atenção especial à “proteção de grupos historicamente vulnerabilizados, como mulheres, pessoas negras, indígenas, idosas, pessoas com deficiência e pessoas LGBTQIA+.”
O assédio moral fica caracterizado como “conduta praticada no ambiente de trabalho, por meio de gestos, palavras faladas ou escritas ou comportamentos que exponham a pessoa a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de lhes causar ofensa à personalidade, à dignidade e à integridade psíquica ou física, degradando o clima de trabalho e colocando em risco sua vida profissional”.
O assédio moral organizacional é tido como “processo de condutas abusivas ou hostis, amparado por estratégias organizacionais ou métodos gerenciais que visem a obter engajamento intensivo ou a excluir pessoas que exercem atividade pública as quais a instituição não deseja manter em seus quadros, por meio do desrespeito aos seus direitos fundamentais”.
Já o assédio sexual é descrito como “conduta de conotação sexual praticada no exercício profissional ou em razão dele, manifestada fisicamente ou por palavras, gestos ou outros meios, proposta ou imposta à pessoa contra sua vontade, causando-lhe constrangimento e violando a sua liberdade sexual”.
No caso das “outras condutas de natureza sexual inadequadas, o enquadramento do plano é “expressão representativa de condutas sexuais impróprias, de médio ou baixo grau de reprovabilidade”.
Com o atraso na tramitação do plano, o documento acabou sendo publicado poucas semanas depois da demissão do ex-ministro da Direitos Humanos Silvio Almeida, acusado de assédio sexual contra a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. A investigação segue em curso, e Almeida nega as alegações.
Acolhimento e denúncias
Entre as medidas propostas pelo plano, destaque para as regras de acolhimento das vítimas, com determinação de resolutividade, de forma que “o tratamento correcional das denúncias de assédio ou discriminação deverá ser célere, controlado e definido como prioritário”, e de confidencialidade, para que “as identidades de todas as partes envolvidas, incluindo as testemunhas, deverão ser protegidas a fim de evitar exposição ou retaliações”.
Nesse contexto, dois capítulos da portaria merecem destaque: acolhimento e denúncias. Todas as unidades federais deverão ter em até 120 dias um plano para criar a rede de acolhimento e escuta, formada “potencialmente” por unidades de gestão de pessoas, ouvidorias, secretarias-executivas das Comissões de Ética setoriais, assessorias de participação social e de diversidade, gestoras e os gestores. Quando houver, os subsistemas integrados de Atenção à Saúde do Servidor também devem participar.
Essa rede terá o dever de “acolher pessoas afetadas por assédio ou discriminação no ambiente de trabalho, buscar soluções sistêmicas; e orientar a pessoa para atendimento especializado, quando for o caso”.
A criação de uma Comissão de Apoio ao Acolhimento com representação direta de servidoras e servidores é facultativa, mas deve ter como princípio a diversidade na composição.
“A rede de acolhimento deverá esclarecer à pessoa denunciante sobre a possibilidade de apresentar notícia, a depender do caso, na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher – DEAM, Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância [Decradi] ou outra Delegacia da Polícia Civil. Caso a identificação do crime ou ilícito penal se dê no âmbito da apuração correcional, a unidade de correição deverá encaminhar cópia dos autos de sindicância ou remeter o processo administrativo disciplinar ao Ministério Público”.
O plano também prevê, além das punições para os casos de assédio e discriminação, sanções para o caso de retaliação de denunciantes, como demissão arbitrária, alteração injustificada de função, atribuição ou local de trabalho, e imposição de prejuízos remuneratórios ou materiais. A retaliação constituirá falta disciplinar grave, podendo levar à demissão pelo bem do serviço público.
Ainda qualifica “medidas acautelatórias”, que não se constituem como penalidade. Como medida acautelatória para preservar a integridade física e mental da pessoa afetada, integrantes da rede de acolhimento poderão promover a “alteração da unidade de desempenho de sua atribuição ou deferimento de teletrabalho, observados os normativos vigentes”, e encaminhar o acolhimento profissional e preencher o formulário de avaliação de risco da unidade.
“A publicação do decreto federal, em julho, e das duas portarias agora refletem a seriedade, o rigor e a complexidade que o tema requer. E também deixam claro que a prevenção, o acolhimento, os cuidados às pessoas e o direito ao sigilo são pilares centrais no enfrentamento de qualquer forma de assédio e discriminação no setor público”, afirmou a ministra Esther Dweck.
Concurso e papel das ouvidorias
Em relação aos novos servidores, o plano prevê que os próximos concursos públicos tenham entre seus conteúdos as temáticas do assédio e da discriminação. Segundo a portaria, no ato de posse, os servidores deverão tomar ciência do plano, “que fará parte dos processos permanentes de formação e capacitação”.
No caso de terceirizados, a portaria estabelece que os editais de licitação e os contratos com empresas prestadoras de serviços executados com regime de dedicação exclusiva de mão de obra deverão prever cláusulas com o compromisso de desenvolver políticas de enfrentamento do assédio e ações de formação para os trabalhadores.
As ouvidorias também ganham papel de destaque no capítulo referente às denúncias. Com o plano, os casos de assédio e discriminação deverão ter “tratamento específico, inclusive na plataforma do Fala.BR., com identidade própria denominada Ouvidoria Interna da Servidora, do Servidor, da Trabalhadora e do Trabalhador no Serviço Público, que atuará na orientação, acolhimento e tratamento, com foco nas demandas internas oriundas das relações de trabalho”.
Todas as condutas que possam configurar assédio ou discriminação deverão ser encaminhados para as ouvidorias de seus órgãos e unidades.
Para a execução do plano, o governo terá que pôr para funcionar, além da Rede Federal de Prevenção, o Comitê Gestor do Plano Federal de Prevenção e Enfrentamento do Assédio e da Discriminação na Administração Pública Federal, os Comitês Estaduais de Acompanhamento do Plano Federal, além das equipes dos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. A portaria que cria o Comitê Gestor também foi publicada nesta terça-feira, em ato assinado pela ministra Esther Dweck e pelo ministro da Controladoria Geral da União, Vinicius de Carvalho.
Fonte: JOTA