Gun jumping e o critério de intencionalidade na dosimetria das multas aplicadas pelo Cade

A Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, também conhecida como Lei de Defesa da Concorrência, prevê, em seu artigo 88, que a consumação integral ou parcial de atos de concentração antes da aprovação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) – infração conhecida como gun jumping – está sujeita a multas na ordem de R$ 60 mil e R$ 60 milhões, além de outras sanções não pecuniárias.

A Resolução 24/19 do Cade definiu a metodologia de cálculo na aplicação de multas por gun jumping com o objetivo de trazer maior previsibilidade ao tema. Nos termos dessa resolução, o valor da multa deve ser calculado a partir de uma pena-base de R$ 60 mil, que será majorada de acordo com o decurso do prazo entre a consumação e a notificação ao Conselho, a gravidade da conduta e a dita “intencionalidade” das partes no cometimento da infração.

Há, no entanto, previsão de que a multa pode ser atenuada a depender do momento da submissão da operação ao Cade em relação à instauração de uma investigação e à condenação pela violação ao regime de análise prévia de atos de concentração.

Passados três anos desde que a referida resolução está em vigor, o Cade determinou a aplicação de multas por gun jumping em seis ocasiões, trazendo importantes avanços na jurisprudência sobre o assunto, principalmente no que se refere à interpretação do órgão sobre o critério de intencionalidade das partes ao cometer a infração, pelo qual a multa pode ser majorada em até 0,4% do faturamento médio dos grupos econômicos envolvidos na operação.

Em uma única ocasião, envolvendo operação notificada e consumada deliberadamente antes da aprovação antitruste, o Cade aplicou a alíquota máxima de 0,4% para o critério de intencionalidade. Entretanto, em um caso em que as partes da operação sabiam que cometeriam a infração, mas o fizeram por razões contingenciais no contexto de uma recuperação judicial, a alíquota aplicada foi consideravelmente inferior (0,02%). O caso indica que, na visão do Cade, razões legítimas externas à vontade das partes que exijam a consumação antecipada podem atenuar o grau de intencionalidade dos infratores, embora naturalmente não isentem a punição pela infração.

Ainda, nota-se que, mesmo quando a infração é cometida de forma não intencional e de boa-fé, a alíquota de intencionalidade tem sido aplicada pelo Cade. Nesse sentido, a menor alíquota adotada desde a edição da resolução (0,001%) resultou de situação na qual os advogados das partes avaliaram, erroneamente, que a notificação ao Cade não seria mandatória.

Em outro precedente, em que a infração decorreu de um equívoco sobre os parâmetros contábeis utilizados para fins de cálculo de faturamento e determinação da necessidade de notificação ao Cade, foi definida uma alíquota de 0,01%, sob o argumento de que as partes não agiram com a diligência mínima esperada pela autoridade, ainda que de boa fé.

Por fim, em operação na qual as partes alegaram suposto desconhecimento da lei, foi adotada a alíquota de 0,04%, superando, inclusive, o grau de intencionalidade da infração em que a consumação foi consciente, porém por razões contingentes.

Esses casos ilustrados acima demonstram que o critério de intencionalidade considerado na dosimetria da multa por gun jumping não se limita ao ato deliberado de violar a lei, pois o Cade considerou algum peso para esse fator de “intencionalidade” mesmo quando as empresas não agiram de má-fé, mas deixaram de adotar precauções suficientes para avaliar a necessidade de notificação de uma operação para  aprovação antitruste.

** João Felipe Achcar de Azambuja é advogado da área de Concorrencial do Machado Meyer Advogados.

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