Motoristas de aplicativo: autônomos ou empregados? Entenda como a Justiça do Trabalho tem tratado o tema

Atualmente, com o avanço da tecnologia, a mobilidade urbana foi transformada pela inserção de plataformas que proporcionam o ágil e prático transporte de pessoas e produtos por intermédio de aplicativos. O contexto social se encontra em fase de adaptação com as novidades que vieram e, claro, os percalços desse tipo de realidade, de maneira que cada vez mais há um aumento na provocação do Poder Judiciário para a resolução de litígios que envolvem os profissionais que atuam diretamente no exercício de serviços proporcionados por essas plataformas.

Nesse sentido, ainda não há um posicionamento uniforme do Tribunal Superior do Trabalho (TST), eis que a Justiça do Trabalho tem reconhecido motoristas de aplicativos como trabalhadores intermitentes, sendo caracterizado, em muitos julgamentos, o vínculo de emprego, ao passo que outras turmas, também do TST, têm optado por tratar os profissionais como autônomos. 

A discussão ainda se permeia, visto que o principal ponto arguido pelas empresas está no fato de que a analogia não atenderia às particularidades da jornada de trabalho desses profissionais, nem o tipo de relação que eles têm com as plataformas, sob argumento que os motoristas não possuem definição prévia de jornada e, assim, controle sobre essa. Afinal, podem permanecer conectados pelo tempo que quiserem, com autonomia para atender, recusar ou cancelar as solicitações de viagem feitas pelos usuários do aplicativo em tempo real.

Conforme estabelecido pela Reforma Trabalhista através do §3º do art. 443 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), o contrato de trabalho intermitente é a prestação de serviços de forma esporádica, mas com vínculo de subordinação e todos os direitos do trabalho garantidos ao profissional, com exceção ao seguro-desemprego. Dessa forma, o profissional presta serviços somente quando houver a necessidade do serviço, e não de forma contínua, mas, ainda assim é tratado como um empregado. 

Porém, nessa modalidade, é indispensável a sua formalização contratual escrita, não podendo ser celebrada na forma tácita ou verbal, sendo que a prestação de serviços se dará a partir da pontual convocação do empregado pelo empregador. Tais características não existem nessa nova categoria de trabalho, e, por isso, fomentam a discussão acerca do tema.

Em decisão proferida pela magistrada Juliana Santoni Von Held, da 13ª Vara do Trabalho de São Paulo/SP, as peculiaridades existentes na dinâmica do que seria o contrato de trabalho, entre plataforma e prestador de serviços afastam, de pronto, o enquadramento da intermitência, pois, segundo ela, seria necessária a formalização do contrato escrito, além da antecedência de 72h para o início dos serviços e, até mesmo, punição de 50% do valor caso o trabalho não fosse cumprido após o aceite. No caso, tais situações não são verificadas na relação dos motoristas de aplicativo.

Inclusive, as plataformas afirmam que a relação entre os motoristas e a empresa é “unicamente comercial”. Assim sendo, não há um vínculo ordinário, visto que a relação ocorre por meio da prestação de serviços de intermediação digital pela empresa ao motorista autônomo. 

Ademais, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que reúne empresas que prestam serviços tecnológicos à mobilidade de pessoas ou bens, afirma que os profissionais parceiros são independentes, eis que possuem autonomia para definir seus horários livremente, inexistindo prefixação de dias e horários de trabalho, e não é exigida exclusividade com uma só plataforma, podendo o motorista prestar serviços simultâneos para Uber, IFood,99 Táxi e, até mesmo, ter carteira assinada com qualquer outra empresa de outro setor, de modo que os serviços de motorista poderiam ser apenas um “bico”.

Em contrapartida, conforme entendimento da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região, foi reconhecida a existência do vínculo de emprego, na modalidade de contrato intermitente, com base no fato de que apesar de “ser do reclamante a iniciativa de cadastro na plataforma por ela gerenciada e de ter ciência prévia de normas e condições de trabalho, não afasta o vínculo de emprego almejado, ante o princípio da realidade que rege o direito laboral”. O principal fundamento estaria no fato de que o condutor deve ficar conectado à plataforma e sofrer controle sobre o trabalho e a observância das diretrizes da empresa.

Esta é uma das tantas decisões que embasam a teoria de que há pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação na relação dos motoristas com as plataformas, o que caracteriza o disposto nos artigos 2º e 3º da CLT e, assim, configura a relação empregatícia. Em especial, há a argumentação de que a prestação de serviços é determinada, controlada, fiscalizada e ordenada pelo contratante, havendo, portanto, poder hierárquico. 

Até o momento, não há regra expressa que defina a condição dos motoristas de aplicativo como uma relação de emprego. De todo modo, as teses, bem polarizadas, ganham cada vez mais força, ao passo que as demandas aumentam no Judiciário. Desde 2019, já foram identificados quase 500 casos tramitando no TST, instância máxima, sendo que há processos envolvendo as mesmas empresas com resultados completamente distintos. Possivelmente, a questão será pacificada nos próximos meses.

Autores:

Veridiana Police- advogada especialista da área trabalhista e sócia do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

Matheus Bonifácio de Souza- estagiário da área trabalhista do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

Yasmin Mafra Lameu- estagiária da área trabalhista do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *