NFTs: como reduzir as incertezas tributárias?
A utilização e negociação de NFTs, sigla em inglês para o termo “Non-Fungible Token”, ou melhor, “tokens não fungíveis”, têm crescido abruptamente nos últimos anos, principalmente com artistas e esportistas conhecidos mundialmente que passaram a aderir um item colecionável virtual e exclusivo em suas redes sociais, como macaquinhos e bonequinhos cheios de adereços. A tributação desses ativos gera diversas incertezas, mas antes de se discorrer sobre elas, é importante fazer uma distinção entre os NFTs e as criptomoedas.
As criptomoedas, já muito conhecidas nos últimos anos, podem ser definidas como ativos virtuais que se utilizam de um sistema de criptografia muito seguro e que, atualmente, podem ser facilmente negociadas em corretoras ao redor do mundo. A tecnologia relacionada às criptomoedas abriu caminho para os NFTs.
Enquanto as criptomoedas são ativos fungíveis que, segundo a acepção do Código Civil são aqueles que podem ser facilmente substituídos por outro produto da mesma espécie em qualidade e quantidade, os NFTs, por sua própria natureza, são únicos, não podem ser substituídos.
Basicamente, temos então uma definição simples de NFT como um token (certificado digital) que também se utiliza da tecnologia blockchain (mesma utilizada pelas criptomoedas), o que lhes garante segurança, já que pode ser visto, confirmado, mas nunca alterado por terceiros. Os NFTs são indivisíveis e capazes de registrar uma propriedade ou direito sobre um ativo, como obras de arte, fotos, item de jogos, músicas, uma representação gráfica exclusiva, ingressos para shows e jogos, etc.
Apesar do cenário não ser de todo novo, as inovações tecnológicas acabam acontecendo em uma velocidade difícil de ser alcançada pelos regulamentos, normas e regramentos quanto a funcionalidades e impactos nas relações sociais, sendo o Brasil um dos mais relevantes do mundo em movimentações de NFTs.
No âmbito tributário, é certo dizer que os NFTs têm gerado cada vez mais impacto, pois as negociações que os envolvem, só em 2021, movimentaram mais de US$ 17 bilhões mundialmente. Na falta de um regramento específico, a tributação desses ativos deve obedecer às normas já vigentes em nosso país – e é aí que começam as dúvidas.
A Receita Federal do Brasil, por exemplo, partindo da premissa de que os NTFs são ativos não fungíveis que expressam um valor tangível, suscetíveis à apuração de ganho de capital na alienação, entende que eles devem ser declarados – tanto pelas pessoas físicas como pelas jurídicas – como criptoativos, na ficha de Bens e Direitos.
Na seção de Perguntas & Respostas sobre o imposto de renda, a Receita Federal esclarece que “Os ganhos obtidos com a alienação de criptoativos (aqui incluídos os NFT’s) cujo total alienado no mês seja superior a R$ 35 mil são tributados, a título de ganho de capital”.
Também já houve manifestação da Receita em resposta à consulta tributária e na própria seção de perguntas e respostas do Imposto de Renda Pessoa Física, entendendo ser aplicável a isenção relativa às alienações mensais de até R$ 35 mil às critopomoedas, devendo se observar o conjunto de criptoativos alienados no Brasil ou no exterior, independentemente de seu tipo (Bitcoin, altcoins, stablecoins, NFTs, entre outros)”.
A Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, por sua vez, na resposta à Consulta Tributária nº 22.841/20, entendeu que não deve incidir o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre criptomoedas, pois elas não seriam mercadorias, por não se destinarem ao consumo.
Porém, no campo dos NFTs a conclusão não parece ser tão óbvia, pois embora esses ativos tenham se popularizado em âmbito virtual, é certo que eles devem gerar cada vez mais diversas implicações no “mundo real”.
Marcas de luxo, como a Dolce & Gabbana, estão adentrando no mundo NFT. Em setembro de 2021, uma coleção de nove itens da marca foi vendida por US$ 5,6 milhões. A coleção incluía tanto itens físicos (como vestidos) como os NFTs correspondentes.
E, mesmo no mundo virtual, há transações tão elevadas que não devem ficar de fora para sempre da incidência do ICMS.
É o caso, por exemplo, de uma peça artística nomeada “Everydays – The First 5000 Days”, criada pelo artista digital Mike Winkelmann, que foi arrematada, em 2021, por US$ 69 milhões, o equivalente a R$ 346 milhões.
É correto se concluir que o arrematante da obra passou a exercer a propriedade sobre ela, enquanto o artista adquiriu um status de alienante da propriedade de uma obra de arte, logo, poderia se falar, em tese, pela tributação do ICMS, considerando que artistas podem produzir diversas obras semelhantes com intuito mercantil. Se atualmente a venda de obras de arte físicas, em regra, é isenta de ICMS, não é difícil imaginar que os Estados devem, no futuro, voltar olhos mais atentos para esse mercado. E, há outros “ativos subjacentes” a serem considerados no mundo real, como a venda de ingressos por NFTs, seja para shows ou jogos em estádios.
Nesse contexto, para que não aumente a enorme insegurança jurídica já existente hoje, que só prejudica a todos, se faz urgente a necessidade de normatização e análise do tema (seja através de leis, soluções de consulta ou instruções normativas), já que as operações com NFTs e outros ativos virtuais têm tomado espaço constante na economia e tendem a ser intensificadas com as novidades do metaverso, cada vez mais próximas de se tornarem constantes em nosso cotidiano.
** Aline Augusta de Menezes é advogada da área Tributária do Marcos Martins Advogados.
**Angelo Ambrizzi é advogado especialista em Direito Tributário pelo IBET, APET e FGV com Extensão em Finanças pela Saint Paul e em Turnaround pelo Insper e Líder da área tributária do Marcos Martins Advogados.