A voz do credor na Recuperação Judicial
O processo de recuperação judicial, regido pela Lei 11.101/05, diz respeito, em síntese, a possibilidade de a empresa em dificuldade financeira formalizar uma nova proposta de pagamento de seus créditos, visando alcançar o soerguimento, retomando, assim, de forma saudável, suas atividades.
Em outras palavras, o foco da recuperação judicial é auxiliar a empresa, que esteja dentro dos parâmetros delimitados em lei, a manter sua atividade empresária, com apoio e encorajamento ao empreendimento, e a finalidade de uma empresa, qual seja, a geração de empregos, fomento da economia, geração de tributos, entre outros aspectos.
E se temos uma devedora, por certo existem credores nessa relação. E fazendo parte dessa equação, de que maneira os credores participam efetivamente do processo de recuperação judicial?
Não se equivoca quem pensa que a recuperação judicial também está à disposição dos credores para atendê-los, uma vez que são os credores quem serão alvo do chamado plano de recuperação judicial, onde constará a forma de pagamento dos créditos, incluindo carência, deságio, e atualização do crédito.
Ao passo que a empresa tem liberdade para propor formas de pagamento do passivo que possui, sujeito à recuperação judicial, a liberdade maior é dos credores, que podem decidir concordar ou não com o que é proposto.
Nos termos do artigo 35, alíneas “a” e “f”, da Lei 11.101/05, fica evidente a força que os credores possuem em assembleia geral de credores, um dos momentos mais importantes para a recuperação judicial, quando os credores decidem se aprovam ou não a proposta de pagamento da empresa Recuperanda, com extrema liberdade para aprovar, rejeitar ou modificar a proposta, e inclusive falar sobre quaisquer outros temas de seu interesse.
As manifestações dos credores ficam registradas em ata de assembleia, não havendo dúvidas de que seus apelos são ouvidos para posteriores discussões nos autos, se necessário.
De certo que a empresa devedora depende dos credores para prosseguir com o processo e ter sua recuperação judicial concedida, e sem votação favorável à seu plano de recuperação judicial, em quórum específico previsto no artigo 45 da Lei 11.101/05, isso não ocorre.
Inclusive, em recente alteração à Lei 11.101/05, pela Lei 14.112/2020, os credores ganharam ainda mais força, com a possibilidade de desenhar um plano de recuperação judicial que lhes agrade, ao qual a empresa devedora terá que se submeter, caso o plano apresentado por ela não seja aprovado.
Ainda, mesmo que o momento de maior destaque e demonstração de poder dos credores seja a assembleia geral, fora dela, os credores têm voz e força.
É possível que o credor se manifeste nos autos do processo a qualquer tempo no sentido de trazer ao conhecimento do juiz, do administrador judicial e dos demais credores, qualquer situação incômoda ou fora da lei, para averiguação, prestação de esclarecimentos e decisão.
Nessa linha, não há como não concordar que o credor tem voz em um processo de recuperação judicial. Voz e força, e formas de atuação para garantia de seus interesses.
Todavia, o equilíbrio no uso dos poderes dos credores é necessário, para evitar prejuízos à coletividade, principalmente de maneira desnecessária, o que ocorre, por exemplo, quando um credor detém poder sobre os demais, em razão do valor de seu crédito, e sobrepõe sua vontade de forma a impedir a aprovação de um plano.
O abuso do poder de voto, se caracterizado, não pode ser tolerado e demanda intervenção judicial, o que demonstra que a voz e poder dos credores não está impune à ilegalidades ou excessos.
Desta forma, não é impossível idealizar e vivenciar a cooperatividade em um processo de recuperação judicial, basta ambas as partes, devedor e credor, entenderem seus papeis, deveres e poderes dentro do que a lei determina, para a obtenção de um resultado satisfatório para todos.