A bola da vez: compensação como defesa na execução fiscal e as alternativas para o contribuinte

Conforme amplamente noticiado, a 1ª Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede dos Embargos de Divergência no REsp nº 1.795.347/RJ, acabou por dar interpretação restritiva a sua própria jurisprudência, firmada em sede do regime de recursos repetitivos, na forma do antigo art. 543-C do CPC/73, e consolidada nos termos do Tema 294, por ocasião do julgamento do REsp n.º 1.008.343/SP.

Quando da fixação do Tema 294, o E.STJ, à luz do art. 16, § 3º, da Lei n. 6.830/1980, firmou entendimento acerca da possibilidade de o contribuinte alegar, em sede de Embargos à Execução, a ocorrência de compensação, desde que efetuada anteriormente ao ajuizamento, vale dizer, desde que ocorrido o encontro de contas na via compensatória anteriormente à ação de cobrança, com a precedente extinção do crédito tributário como forma de ilidir a presunção de liquidez e certeza da CDA.

Não obstante a fixação do Tema 294 pela 1ª Seção, sob outra perspectiva e em julgamentos posteriores, a 2ª Turma do E.STJ passou a dar interpretação restritiva ao enunciado jurisprudencial, no sentido de que somente a compensação homologada na esfera administrativa seria oponível em sede de Embargos à Execução, contrariando, assim, o entendimento da 1ª Turma daquele E.Tribunal. Em decorrência, em que pese a matéria estar sedimentada em sede de recursos repetitivos, voltou a ser analisada pela 1ª Seção no EREsp nº 1.795.347/RJ, prevalecendo entendimento de sua 2ª Turma.

Deixaremos de analisar aqui, as ilegalidades e inconstitucionalidades que o atual entendimento do STJ enseja, em especial, em afronta aos próprios fundamentos que motivaram a fixação do Tema 294. Teceremos, apenas, breves apontamentos acerca das alternativas possíveis que vem sendo vislumbradas para os contribuintes, diante da afronta à segurança jurídica que o atual entendimento denota, no revés dos escopos do próprio sistema de precedentes, que é o de, exatamente, harmonizar o entendimento do Judiciário, para fins de orientação de todos os jurisdicionados.

Com efeito, o contingente de contribuintes que até então já litigava nos termos definidos pela jurisprudência consagrada pelo sistema de precedentes, vale dizer, via Embargos à Execução, ainda que indeferidos seus créditos em sede administrativa, foi surpreendido ao ser obstado o exercício de seu direito constitucional à jurisdição, nele compreendido o direito de ampla defesa judicial, por aquela via.

Nos casos em que a Fazenda Pública ainda não intentou o protocolo da ação executiva, a alternativa dos contribuintes tem sido o ajuizamento de ação de conhecimento, conforme Ação Anulatória (de débito fiscal), preconizada pelo art. 169 do Código Tributário Nacional (CTN).

Isto apenas para os casos em que o contribuinte ainda esteja dentro do prazo prescricional também previsto no CTN. Para os demais casos, notadamente, para os casos se encontravam com regular tramitação de Embargos à Execução, o impacto já se fez sentir, tanto em primeira como segunda instâncias.

Quanto a estes, duas são as situações. Para os casos que ainda não se encontram sentenciados, o caminho que vem sendo acolhido em primeira instância tem sido o de conversão de ritos, em aplicação análoga ao princípio da fungibilidade recursal. Nestes casos, a conversão de ritos vem sendo deferida mediante corajosas decisões que enfrentam possíveis óbices, os quais poderiam impedir o manejo da inversão dos ritos.

O primeiro deles diz com a inexistência de erro grosseiro, condição processual para a fungibilidade recursal, em que a parte interpõe recurso equivocado, sem que pairasse dúvidas quanto à forma cabível. No caso, a ausência de erro grosseiro na oposição de Embargos em lugar de Ação Anulatória como forma de debelar cobrança tributária derivada de compensações é caracterizada pelo próprio contexto jurisprudencial à época do ajuizamento, nos termos da orientação sedimentada pelo Tema 294 (STJ).

Destaca-se que não somente contribuintes e Poder Judiciário pautavam-se pelo entendimento anterior, mas a própria União Federal, que incluiu o tema em sua Lista de Dispensa de Recursos, pelo que, todo o sistema processual acolhia o entendimento contrário ao ora ventilado pelo E.STJ.

Em regra, também é comum aos dois ritos o juízo de origem, mormente em face da normativa prescrita na atual redação do art. 55 do Código de Processo Civil (CPC), e que caracteriza a conexão das ações quando lhes for comum, não somente o pedido, mas a própria causa de pedir, reconhecendo, expressamente, a conexão entre o feito executivo fiscal e a ação de conhecimento relativa ao mesmo ato jurídico, não fazendo distinção sobre modalidades.

Oportuna, também, a demonstração de que os Embargos foram protocolados dentro do prazo prescrito para o ajuizamento da Ação Anulatória, vale dizer, dentro dos dois anos consecutivos ao término do processo administrativo correlato.

A fungibilidade das ações é igualmente denotada em face dos princípios da instrumentalidade das formas e da economia processual, também adotados pelo atual CPC.

Argumento de destaque, e que vem sendo enfrentado em todos os deferimentos conhecidos é o de que são fundamentados sob a orientação dos atuais princípios que regem o novo Códex Civil, em especial, o da inafastabilidade da jurisdição e o da primazia de julgamento meritório, através dos quais mitiga-se o formalismo até então adotado pela sistemática anterior, abrindo margem para suplantar outros impedimentos, a exemplo da necessidade de concordância da parte contrária, conforme o art. 329 do CPC.

Consideradas as razões a autorizar a conversão de ritos, restará ao juiz a análise dos efeitos de recebimento da Ação Anulatória, de modo assegurar-se que o feito executivo reste suspenso. Neste sentir, a jurisprudência do STJ é firme em reconhecer o direito à suspensão de tramitação do feito executivo ante verificação de somente um, entre os seguintes requisitos: presença de elementos ensejadores da antecipação tutelar ou, da garantia do juízo, ou da efetivação do depósito integral. Como em regra, todos os Embargos em andamento demandam garantias já constituídas, não existiria óbice na manutenção de suspensão das execuções.

Logo, para os casos ainda não sentenciados, vem se consolidando robusta jurisprudência tendente ao enfrentamento de todos possíveis óbices à conversão dos ritos.

Já para os casos sentenciados, uma vez esgotada a jurisdição de primeira instância, o caminho tem sido o ajuizamento de Ações Ordinárias, junto ao juízo do feito executivo, com pedido de reconhecimento do crédito compensado, e consequente extinção das cobranças. Nestes casos, o caminho é de deferimento de Tutela de Urgência, para fins de determinação de suspensão de tramitação da Execução Fiscal, mediante os mesmos fundamentos analisados no cabimento da fungibilidade de ritos.

Por fim, importante consignar que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil — CFOAB, em final de outubro, intentou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental junto ao Supremo Tribunal Federal, com pedido liminar, para que seja fixado o entendimento de que é possível a alegação do direito de compensação tributária em sede de embargos à execução fiscal, cuja declaração já tenha sido previamente apresentada em âmbito administrativo, tenha sido ela homologada ou não. Abre-se, assim, uma frente no âmbito externo às lides individuais e concretas. Contudo, enquanto não apreciada, e ainda, até seu recebimento e julgamento final, seguem contribuintes e o Poder Judiciário a caminhar no labirinto tautológico criado pela reinterpretação, pelo próprio E.STJ, daquilo que ele mesmo interpretou, após mais de uma década de precedente vinculado.

Em conclusão, em atenção ao princípio da segurança jurídica, alinhado ao direito de jurisdição, nele incluído o de ampla defesa, incumbirá não somente ao judiciário, mas a todos protagonistas da relação processual, fixar caminhos de reencontro de harmonização entre os sistemas de direitos subjetivos e processual, também compreendida a Fazenda Pública, em especial, em razão do dever de colaboração entre as partes, para fins de obtenção do provimento judicial em tempo razoável, e do dever de coerência como reflexo da boa-fé, o que dela se espera, vez que ainda não uniformizado seu entendimento, conforme vem se manifestando nos casos já apreciados.

Autor: Mirian Teresa Pascon– advogada especialista em Direito Tributário e Coordenadora Jurídica da DBC Consultoria Tributária

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