Aumento da isenção do ir para R$ 5.000: política tributária ou legislação álibi?

O governo federal encaminhou ao Congresso um projeto de lei para ampliar a isenção do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) para trabalhadores que recebem até R$ 5.000 mensais. A medida, que vem sendo apresentado como um avanço na justiça tributária, beneficiaria milhões de brasileiros e reduziria a carga sobre a classe média. Contudo, a proposta está condicionada à aprovação de mecanismos de compensação fiscal, como a tributação de altas rendas e de lucros transferidos ao exterior.
O anúncio da medida levanta um questionamento fundamental: trata-se de uma reforma tributária com impacto estrutural ou de um exemplo do que o jurista Marcelo Neves denomina legislação álibi? Segundo Neves, algumas normas são elaboradas para criar a aparência de mudança sem alterar de fato a realidade que pretendem regular. Diante do histórico legislativo brasileiro e da complexidade da reforma tributária, este artigo analisa se o aumento da isenção do IR representa um avanço concreto ou um instrumento retórico sem impacto substancial.
Conceito de legislação álibi e sua aplicação ao Direito Tributário
Marcelo Neves define legislação álibi como um aspecto jurídico em que normas são criadas não para gerar efeitos concretos, mas para atender a pressões políticas e sociais. Essas leis oferecem ao governo uma justificativa simbólica para exercer atuação em determinada área, sem necessariamente enfrentar as causas estruturais dos problemas que abordam.
No campo tributário, isso ocorre quando medidas são anunciadas com forte apelo popular, mas sem estrutura fiscal para serem efetivadas, ou quando são acompanhadas de compensações que reduzem seu impacto prático. O sistema tributário brasileiro, marcado por grande regressividade, já conta com diversos exemplos de medidas que tiveram pouco ou nenhum efeito real na redistribuição da carga tributária.
Projeto de aumento da isenção do IR
O projeto propõe aumentar a faixa de isenção para R$ 5.000, ampliando significativamente o número de brasileiros que não precisariam mais declarar o Imposto de Renda. Atualmente, a isenção abrange apenas quem recebe até R$ 2.824 mensais.
Segundo estimativas, essa mudança geraria um impacto fiscal de R$ 25,84 bilhões em 2026. Para compensar essa renúncia de arrecadação, o governo propõe medidas como:
– Tributação de super-ricos, especialmente sobre fundos exclusivos e offshore;
– Regras mais rigorosas para tributação de lucros e dividendos remetidos ao exterior.
O projeto foi lançado ao Congresso, mas sua aprovação e a efetividade das medidas compensatórias ainda são incertas.
Desafio das compensações e os riscos de ineficácia
A proposta do governo enfrenta desafios políticos e econômicos. Em primeiro lugar, os setores que seriam impactados pela tributação compensatória possuem forte influência no Congresso e historicamente conseguem barrar ou modificar propostas que elevam sua carga tributária. Um exemplo recente foi a resistência à tributação de dividendos, que já foi proposta e descartada nas discussões anteriores.
Além disso, há dificuldades técnicas na implementação da tributação sobre altos rendimentos e remessas ao exterior. O Brasil possui um histórico de judicialização de novas cobranças tributárias, especialmente quando envolve transportadores de grande capacidade econômica, que podem questionar a constitucionalidade das medidas e obter decisões adequadas no Judiciário.
Se as compensações forem enfraquecidas no processo legislativo ou enfrentarem dificuldades na arrecadação, o impacto fiscal da ampliação da autorização pode tornar-se insustentável. Isso levaria o governo a revisar a medida no futuro, frustrando as expectativas criadas.
Projeto como exemplo de legislação álibi?
A principal questão que se coloca é: o projeto de ampliação do sistema autorizado do IR realmente busca transformar o tributário ou se trata de um exemplo de legislação álibi ?
Se analisarmos a proposta sob a ótica de Marcelo Neves, há promessas de que ela poderá ser mais próxima de um instrumento retórico do que de uma reforma efetiva. O anúncio da ampliação da autorizada gera um efeito positivo imediato na percepção da população, conferindo ao governo um discurso de redução da carga tributária. No entanto, se a melhoria for inviabilizada ou neutralizada pelas dificuldades na aprovação das compensações, a mudança será essencialmente simbólica.
Além disso, o fato de a proposta estar prevista para aplicação apenas em 2026 reforça a suspeita de que a medida pode ser utilizada como capital político no curto prazo, sem garantir efetividade no longo prazo. Dependendo do cenário econômico e fiscal dos próximos anos, há o risco de que o projeto seja revisado ou postergado, tornando-se mais um exemplo de norma criada para dar satisfação à sociedade sem alterar a realidade tributária do país.
Princípios constitucionais e papel do Congresso
A Constituição estabelece, no artigo 145, §1º, o princípio da capacidade contributiva, determinando que os tributos devem ser cobrados de forma progressiva, ou seja, proporcionalmente à renda do contribuinte. No entanto, a estrutura tributária brasileira ainda é majoritariamente regressiva, com maior incidência sobre o consumo do que sobre a renda.
Se o Congresso Nacional quiser garantir que a ampliação da isenção tenha um impacto real na justiça tributária, será necessário um compromisso eficaz com a aprovação das medidas compensatórias. Do contrário, o projeto poderá se tornar apenas uma promessa eleitoral, sem mudanças estruturais.
Conclusão
A proposta de ampliação da isenção do IR para R$ 5.000 representa, em tese, um avanço na desoneração da classe média e na progressividade tributária. No entanto, a efetividade da medida está condicionada à aprovação de compensações fiscais que enfrentam resistência política e desafios técnicos.
Se essas compensações não foram reformadas ou foram enfraquecidas, a proposta pode se tornar um exemplo clássico de legislação álibi : um mecanismo criado para gerar impacto político sem mudanças concretas no sistema tributário.
O Congresso terá um papel fundamental na definição do futuro dessa proposta. Caso queira evitar que a medida se torne apenas simbólica, será necessário um debate sério sobre a previsão fiscal e a progressividade do sistema tributário brasileiro.
A grande questão que fica é: estaremos diante de uma verdadeira reforma tributária ou de mais um projeto com forte apelo político, mas sem impacto real? A resposta dependerá do comprometimento institucional com a justiça fiscal e com a efetividade das normas tributárias.
Felipe Virgilio Gomes é advogado tributarista com experiência em consultoria, contencioso e planejamento tributário, sócio do escritório Virgílio Gomes Advogado, pós-graduado em Direito Empresarial e Direito Tributário, MBA em Procedimento Tributário e extensão em Planejamento Tributário.
Fonte: Conjur