Caso Braiscompany e a responsabilidade da CVM em proteger o mercado de investimentos
O crescimento exponencial das fraudes em investimentos financeiros no Brasil pode ser atribuído a diversos fatores, que vão desde a falta de conhecimento das pessoas, passando pela cobiça de grandes e rápidos retornos, até chegar ao cada vez mais profissionalizado recurso de marketing por parte dos fraudadores, seduzindo a vítima para o golpe.
No que diz respeito à falta de educação financeira, ao não compreenderem completamente os riscos envolvidos em investimentos financeiros, muitas pessoas se tornam vulneráveis a esquemas fraudulentos. O desejo por altos retornos, por sua vez, deixa as pessoas mais dispostas à correrem riscos em busca de retornos financeiros elevados, o que também traz o ambiente propício para a atuação de fraudadores. O marketing agressivo é, ainda, mais um fator de fraudes. Algumas empresas fraudulentas usam técnicas de marketing cada vez mais profissionais e enganosas para atrair investidores, o que pode ser sedutor para algumas pessoas.
Por um ou mais desses fatores, a realidade é que se trata aqui de fraudes de grandes proporções. Um levantamento realizado pelo escritório Calazans e Vieira Dias Advogados em 2022 identificou mais de 1200 empresas de investimentos fraudulentas no Brasil, onde se estima que elas tenham captado nos últimos cinco anos aproximadamente 1/6 do valor do PIB nacional.
Em 2019, a pesquisa “Fraudes em Investimentos no Brasil”, conduzida pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), apontava que um em cada dez (11%) brasileiros já perdeu dinheiro em investimentos fraudulentos, principalmente em esquemas de pirâmide. Em outro recente estudo com dados de 2021, a constatação de que naquele ano, 13,9% dos internautas brasileiros tinham perdido dinheiro em algum investimento fraudulento, o que representa um contingente de 1,3 milhão de pessoas somente em 12 meses.
Entre os investidores que já perderam dinheiro em investimentos fraudulentos no Brasil, 40% entraram em esquema de pirâmide, 17% sofreram o golpe da seguradora com pagamento antecipado de taxas e/ou despesas e 13% contrataram serviço de gestão/consultoria/análise de investimentos sem o devido registro profissional da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia do governo que regula e fiscaliza o mercado de ações e de valores mobiliários no país.
Um aspecto que chama a atenção é que, embora esse tipo de golpe tenha crescido exponencialmente nos últimos anos, o número de operações com medidas assecuratórias patrimoniais e pessoais efetuadas pela Polícia Federal e polícias estaduais é muito inferior, não tendo ultrapassado 60 entre os anos de 2018 e 2022. Tal dado gera um sentimento de impunidade nos golpistas, incentivando a continuidade dessas atividades fraudulentas.
Este sentimento de impunidade pode ser reforçado quando os golpistas conseguem esconder seu dinheiro ou transferi-lo para outros países, o que dificulta para as autoridades recuperar os ativos dos investidores lesados. O cenário fica ainda mais preocupante quando se sabe que a investigação e o processamento de casos de fraudes financeiras podem ser complexos e demorados, e muitas vezes requerem cooperação internacional. Além disso, os órgãos de justiça também podem enfrentar limitações de recursos e capacidade.
É nesse contexto que os golpes aparecem e, diariamente, fazem vítimas. Recentemente, nos deparamos com a queda da Braiscompany, mais uma empresa que fazia oferta de investimentos coletivos sem nunca apresentar a autorização ou a dispensa da CVM para operar. O sócio da empresa não tinha o mínimo pudor em ostentar riqueza, inclusive se sentando no Senado Federal, tudo isso sem um mínimo posicionamento da autarquia, mesmo após vários questionamentos. Um exemplo completo do que é impunidade.
Dito que a CVM tem a responsabilidade de regular o mercado de valores mobiliários no Brasil, incluindo a oferta de investimentos coletivos, bem como a autarquia tem o poder de autorizar, fiscalizar e punir as empresas e instituições financeiras que agem de forma inadequada ou fraudulenta, é fundamental que ela se posicione.
A falta de ação pode representar uma falha na proteção dos investidores e na própria regulação do mercado de valores mobiliários. A inércia pode trazer graves consequências, e isso ficou público e notório no caso da Braiscompany.
*Jorge Calazans é advogado criminalista, sócio do escritório Calazans e Vieira Dias Advogados e especialista na defesa de investidores vítimas de fraudes financeiras