Conteúdo Patrimonial do perfil nas Redes Sociais e sua Proteção Jurídica

Por: Marcus Pessanha*

As constantes inovações tecnológicas fazem com que alguns institutos jurídicos tradicionais precisem receber uma interpretação atualizada, em especial os relacionados questões patrimoniais. A visão do patrimônio como conjunto de bens, materiais ou imateriais, economicamente apropriáveis, nos dias atuais precisa de uma leitura que viabilize a proteção de alguns ativos intangíveis e que não necessariamente detém expressão financeira, como os perfis nas redes sociais.

Todas as pessoas ao se tornarem usuárias da rede mundial de computadores e criarem um perfil em uma rede social, se tornam titulares de ativos virtuais ligados as informações inseridas e captadas on line. Estes ativos digitais, ou digital assets, devem ser tutelados pelo ordenamento jurídico independentemente da possibilidade se sua fruição econômica, posto que intrinsecamente conectados aos direitos da personalidade virtual do indivíduo.

Os perfis nas redes sociais, desta maneira, fazem parte da pessoa e de sua personalidade no ambiente virtual, manifestação de existência no plano eletrônico, autêntico bem digital existencial. A despeito de serem incorpóreos, são compostos de dados de caráter pessoal inseridos pelo seu titular na internet, e lhe trazem diversos tipos de utilidade, sendo dotados ou não de conteúdo financeiramente mensurável.

Certamente naqueles casos de perfis monetizados e com intenso engajamento, como nas hipóteses de influenciadores digitais com milhares, e até mesmo milhões de seguidores, a percepção de sua expressão econômica é mais visível. Todavia, tais circunstâncias não excluem do ordenamento jurídico a tutela dos perfis não monetizados de indivíduos que utilizam as redes de maneira mais frugal e corriqueira.

É notório que nas maiores redes sociais, a coletividade de perfis compõe um importante asset virtual para as plataformas mantenedoras, as quais exploram os dados de seus usuários das mais diversas maneiras possíveis, obtendo assim lucros vultosos. Zigmunt Bauman já afirmou em 2001 que “na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria”. O data mining, a mineração de dados da base de usuários, seus hábitos, características, vontades e outras informações disponibilizadas nos perfis por meio de milhões de cliques diários, são fortemente monetizadas pelo processo de KDD – Knowledge, Discovery in Databases. Em resumo, uma técnica de identificação de padrões válidos, potencialmente úteis e interpretáveis na base de perfis das redes sociais, aplicado com o intuito comercial. Dados pessoais são tão valiosos quanto a sua proteção, e a tutela dos perfis ganha cada dia mais importância.

Em interessante decisão no processo nº 1006352-41.2022.8.26.0048, a 1ª Turma Cível e Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) não deu provimento a um recurso interposto pelo Facebook Serviços Online do Brasil Ltda, em face de decisão anterior que determinou a reativação do perfil de uma advogada na rede social Instagram, do grupo Meta. Em sua peça recursal, o Facebook alegou a necessidade de que a Autora indicasse um novo endereço de e-mail para a recuperação da conta, no que teve sua pretensão negada pelo Poder Judiciário paulista.

Em outra decisão, no Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1.595.492 – SP (2019/0296749-7), a 4ª turma do Superior Tribunal de Justiça, confirmou os termos de acórdão do TJ/SP que condenou o Facebook Serviços Online do Brasil Ltda a pagar uma multa de R$ 254 mil em razão da demora no atendimento de uma ordem judicial que determinou a reativação de um perfil na rede social de sua propriedade, o Instagram.

Tais decisões estão em consonância com o conteúdo patrimonial digital e a infungibilidade do perfil nas redes sociais como um digital asset merecedor de tutela.

Portanto, o reconhecimento do perfil nas redes sociais como bem digital existencial, que faz parte do patrimônio de seu titular integrando sua pessoa e sua personalidade no mundo eletrônico é uma realidade que se consolida e aprofunda dia a dia, tanto na prática do mercado quanto nos tribunais.  

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