Criptoativos: Brasil tem regulação financeira avançada, mas necessita de tributação específica para os ativos digitais

Para debater a regulação de criptoativos no Brasil é importante destacar um primeiro ponto: o Brasil não está sozinho nesse desafio. Dos países que compõem a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), por exemplo, é raro encontrar uma novidade ou aprimoramento no comparativo com o sistema regulatório financeiro que temos no país. Inclusive, a respeito do compliance no combate à lavagem de dinheiro, nós temos uma legislação mais robusta do que muitas outras nações.

Dito isso, é importante afirmar que o Governo Federal, os estados e municípios ainda estão muito distantes de conseguirem regular ou mesmo monitorar as transações com criptoativos. Esse não é um panorama unicamente brasileiro, mas assim como em outros países, hoje, o contribuinte se vê forçado a adotar analogias com a legislação existente para atender a esse cenário.

Na prática, funciona da seguinte maneira: para tributar os ganhos em criptoativos por analogia são aplicadas as regras de tributos de ganhos de capital, como já ocorre em operações em que se transacionam outras moedas ou metais preciosos. Só que, nessa mecânica de analogia, começam os problemas. Que tipo de ativo é equiparado ao criptoativo? Moeda estrangeira? Metais preciosos? Outros bens móveis? Existem alíquotas diferentes para cada tipo de ganho de capital apurado.

Outra questão importante é definir se as transações em cripto são consideradas de mercado aberto ou mercado de balcão, que também têm tarifas diferentes. Essas e outras subjetividades acabam deixando os cálculos dos ganhos em criptoativos conforme a interpretação do contribuinte, abrindo espaço para autuações descabidas mas, principalmente, para sonegação de impostos.

O fato é que como os criptoativos são difíceis de serem monitorados por governos, as autoridades fiscais mundiais acabam ficando dependentes da autodeclaração do contribuinte. Ou seja, o investidor é quem informa o quanto ganhou, a origem da transação, entre outros aspectos. Isso abre para a necessidade de um sistema regulatório simples e fácil de ser aplicado por parte do contribuinte, para que aqueles que querem pagar os seus impostos adequadamente não enfrentem dificuldades e inseguranças jurídicas.

Ainda nesse panorama, existe uma lenda de que os criptoativos são muito bons para sonegadores e criminosos. Vejo isso como questionável por dois motivos: o primeiro porque é um pouco irracional pensar que um malfeitor vai deixar a sua renda num ativo com tanta volatilidade; e o segundo ponto é que, no geral, criptoativos são rastreáveis. Ainda que não seja simples, um caso recente de recuperação de pagamentos de Bitcoins por parte das autoridades norte-americanas comprovou que esse meio pode ser menos vulnerável.

Mas se os criptoativos são rastreados digitalmente, por que os governos não conseguem acompanhar as transações? Isso tem uma resposta em comum com toda nova aplicação tecnológica: a velocidade das autoridades é sempre menor do que o avanço das inovações, principalmente as do mundo digital. Ou seja, se a sociedade mal dá conta de acompanhar a velocidade do mundo digital, o que dirá o arcabouço legal, as burocracias estatais, os órgãos de monitoramento e fiscalização do mundo inteiro. E indo novamente para o debate da tributação, essa diferença de velocidade acaba prejudicando o bom contribuinte e aumentando a margem para a sonegação de impostos.

Esse déficit de velocidade tende a piorar porque, ironicamente, a gente não viu ainda a atuação dos criptoativos como dinheiro, ou seja, em sua aplicação como meio de pagamento. Imagina fazer um pix utilizando Bitcoin ou encostar o seu telefone numa maquininha e pagar uma despesa de mercado com Ethereum? Isso pode explodir os sistemas financeiros digitais e colocar os Bancos Centrais mundiais num panorama em que não conseguirão controlar o encaixe monetário na economia. Os criptoativos vão muito além destes dois exemplos e tendem a caminhar para este panorama de usabilidade comum e popular.

Por isso, falar da regulação dos mercados de cripto é algo urgente. Essa discussão até que está avançada no Brasil, mas não está em velocidade que possa garantir segurança jurídica de todos os envolvidos: das exchanges, da sociedade, do consumidor, do investidor e, principalmente, do próprio Estado Brasileiro. O tema precisa ter mais tração na nossa sociedade, mas principalmente nas casas do poder legislativo, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.

Como especialista em tributação, reforço a recomendação para que os entes e entidades envolvidos comecem a pensar em um sistema regulatório o mais simples possível. Reitero que este é um tipo de ativo ou renda de difícil monitoramento. O contribuinte deveria lidar com um tributo tão fácil de ser calculado e pago, que não queira sequer se dar ao trabalho de sonegar, ou transferir para algum tipo de estrutura. Mais ainda, e principalmente, que seja em ambiente digital, o mesmo que cerca os players deste mercado e das novas gerações de contribuintes.
Autor: Guilherme Tostes- Diretor de Relações Internacionais da Fenacon (Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas)

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