Falsos democratas e o ataque à liberdade de imprensa
Elton Duarte Batalha é professor na Faculdade de Direito (FDir) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Advogado e Doutor em Direito
Os últimos dias foram ricos em exemplos para observar aqueles que dizem defender a liberdade de imprensa, mas não perdem a oportunidade de tentar calar jornalistas que expõem verdades inconvenientes sobre entidades e agentes públicos que estejam em determinado campo político. O caso da vez diz respeito à jornalista que trouxe à tona a situação da senhora que teve acesso a prédio público de um Ministério sem ter seus antecedentes devidamente investigados, colocando em questão a adequação moral de tal visita diante do próprio histórico de processos judiciais e das relações pessoais mantidas por ela. A referida profissional, ao cumprir rigorosamente seu dever de ofício, tem sofrido ataques em redes sociais, inclusive com a participação de figuras relevantes na internet que ocupam a função de influenciador ou jornalista. Tal panorama merece reflexão mais acurada.
A democracia demanda que seja preservada a liberdade de imprensa como forma de controle civil das diversas entidades e instituições que compõem o corpo social. É claro que, mesmo sendo direito fundamental, a liberdade não é absoluta, devendo estar limitada por outras normas do mesmo status, como as que determinam o respeito à honra e à imagem. Em caso de eventual ofensa a direito alheio, uma democracia funcional, como se supõe ser a brasileira, oferta à vítima a possibilidade de buscar reparação no âmbito judicial com o uso de instrumento adequado, conforme prevê o Estado de Direito. Na situação sob análise, não houve (até o momento) qualquer indicação de que a jornalista tenha desrespeitado algum limite no exercício profissional. Lamentavelmente, tanto ela quanto o jornal que representa estão sendo vítimas de ataque cerrado nas redes sociais por pessoas de certa orientação política, que tentam calar o mensageiro em vez de cobrar os agentes que defendem com base na mensagem recebida. Sem dúvida, caso assim o fizessem, a democracia sairia fortalecida e as alegadas falhas institucionais relacionadas à conferência de dados pessoais dos visitantes a prédios públicos seriam corrigidas (supondo que, de fato, não tenha havido má-fé pelos entes responsáveis por tal controle).Um elemento assustador em toda essa situação atine ao fato de que alguns órgãos da sociedade civil (representantes da imprensa e do campo jurídico, por exemplo), sempre presentes no debate público, estejam em curioso silêncio até o momento. É importante salientar que não sair em defesa da jornalista, vítima de ataques morais fomentados por pessoas influentes nos meios digitais, é um desserviço à democracia, em última análise. A imprensa independente tem sido objeto de ofensiva de agentes representantes de vários matizes ideológicos, em governos à direita e à esquerda no espectro político. Calar-se diante de absurdos como o caso atual acaba por alimentar o descrédito com que se tem tratado a mídia tradicional há algum tempo, reforçando a visão daqueles que propagam versões descontextualizadas de fatos. Compõe-se, assim, o cenário ideal para a criação e desenvolvimento de figuras populistas, que podem destruir as bases da democracia não mais como se fazia antigamente (com tanques nas ruas), mas com desinformação e instrumentalização de instituições para fins ideológicos, com evidente prejuízo aos interesses da coletividade e do funcionamento estatal.
O muro da democracia, que protege a sociedade dos abusos autoritários dos detentores de poder, não é algo dado pela natureza, mas construído pela humanidade e aperfeiçoado ao longo do tempo, tijolo por tijolo. Permitir o ataque coletivo a alguém que parece representar dignamente a função jornalística, a qual está intrinsecamente ligada aos fundamentos da democracia, é um erro de grande monta, pois significa privilegiar eventuais interesses políticos em detrimento das instituições essenciais à edificação de uma sociedade que busca ser caracterizada pelo respeito aos direitos fundamentais. O farisaísmo no debate público a respeito de questões democráticas elementares parece estar próximo do paroxismo. Muitas vezes, o grande inimigo não é aquele que se coloca claramente de forma contrária a algo legítimo, pois evidenciar o equívoco de seu posicionamento é algo que decorre naturalmente da argumentação e da apresentação de provas; o risco maior para a democracia está materializado naquela figura que diz defendê-la enquanto a vulnera no âmbito interno, atingindo-lhe as bases, sempre com um sorriso que engana a sociedade muito docemente.