Delineamentos gerais do marco legal dos ativos virtuais

A promulgação da Lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022, que veio a dispor sobre aspectos importantes do mercado de ativos virtuais, a despeito de trazer importantes regras sobre o segmento, não foi pioneiro nem tampouco completo sobre a matéria. Órgãos como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Secretaria da Receita Federal (SRF) premidos provavelmente pelo dinamismo e pela necessidade do dia a dia, já se debruçaram sobre algumas matérias ligadas aos referidos ativos.

A CVM, por exemplo, ao analisar as atividades de algumas exchanges de criptomoedas se debruçou sobre categorias de tokens, classificando-os em tokens de pagamento (cryptocurrency ou payment token), que buscam replicar as funções de moeda, meio de troca e reserva de valor, tokens de utilidade (utility token), utilizados para adquirir ou acessar produtos ou serviços e tokens referenciados a ativos (asset-backed token), que representam um ou mais ativos, tangíveis ou intangíveis. Tal categorização se presta a decidir se determinados títulos seriam ou não valores mobiliários, com vistas a definir a incidência da competência regulatória da autarquia, em seu Parecer de Orientação nº 40, de 11 de outubro de 2022.

Por sua vez, a SRF na Instrução Normativa RFB nº 1888, de 3 de maio de 2019, exarada para disciplinar a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à Receita Federal do Brasil, definiu-os em seu art. 5, I como “a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal”. O extenso e meticuloso conceito, embora apropriado para as atividades fiscalizatórias da receita, certamente foi uma boa diretriz inicial para o setor.

Portanto, longe de ser um marco legal que regulamenta sistemas e subsistemas organizados sobre redes normativas, instituído para ocupar o locus de referência básica de um segmento, foi instituído como conjunto de normas que deixou de abordar aspectos essenciais do mercado de ativos virtuais. As exchanges de criptomoedas foram tratadas de maneira rarefeita, por exemplo, sendo interessante destacar que tokens e NFT’s tampouco foram objeto de regulamentação.

A conceituação de ativos virtuais de maneira mais ampla e sucinta no art. 3º da lei, em comparação com a redação adotada pela SRF anteriormente, trouxe como especificidade a previsão de exclusão de alguns bens jurídicos do âmbito legal, tais como moeda nacional e moedas estrangeiras, moeda eletrônica, nos termos da Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013, instrumentos que provejam ao seu titular acesso a produtos ou serviços especificados ou a benefício proveniente desses produtos ou serviços, a exemplo de pontos e recompensas de programas de fidelidade, assim como representações de ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em lei ou regulamento, a exemplo de valores mobiliários e de ativos financeiros.

O diploma legal deixou ainda bem clara a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nas relações estabelecidas no mercado de ativos virtuais, postura bastante positiva e com grande potencial de evitar conflitos na interpretação dos contratos e ajustes.

De relevo salientar que o art. 4 da legislação estabelece as diretrizes básicas do mercado de ativos virtuais, prevendo ainda a criação de outros parâmetros futuros por órgão regulador, tais como a livre iniciativa e concorrência, boas práticas de governança, transparência nas operações e abordagem baseada em riscos. Há previsão expressa, também, em relação a observância das normas de segurança da informação e proteção de dados pessoais, proteção e defesa de consumidores e usuários. O consumidor possui proteção especial no diploma, com previsão de proteção a poupança popular, solidez e eficiência das operações e prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.

Embora tenha vindo a ocupar importante espaço no dinâmico e instável mercado de ativos digitais, vários pontos relevantes foram deixados de fora, com lacunas a serem preenchidas ainda.

Autor: Marcus Vinicius Macedo PessanhaMestrando em Direito – Universidade Autonoma de Lisboa. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Pós Graduado em Direito da Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF) Pós Graduado em Direito Empresarial pela Universidade Gama Filho (UGF) Pós Graduado em Ciência Política pela Universidade AVM. Membro do IASP. Membro da Comissão de Direito da Infraestrutura da OAB/SP. Advogado em São Paulo.  

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