Desafios da tributação da economia digital internacional e a Reforma Tributária

O comércio digital vem se desenvolvendo de maneira acelerada nos últimos anos, alinhado com modificações substanciais na economia global, o que pode ser percebido com a ascensão da cultura do compartilhamento, da aplicação revolucionária de softwares, inteligência artificial, transações com criptomoedas, smart contracts, dentre outros assuntos.

Como um dos impactos diretos do desenvolvimento do comércio digital temos as mudanças no panorama tributário e fiscal, posto que a evolução tecnológica termina por trazer questionamentos ao próprio arcabouço de padrões e conceitos teóricos da atividade tributária. Noções tradicionais do direito tributário e da atividade mercantil, tais como segurança jurídica, territorialidade, legalidade e anterioridade fiscal, por exemplo, pedem uma releitura que adeque as inovações tecnológicas a regulação jurídica, sob a pena de o direito perder sua força e aplicabilidade na prática.

O país assistiu nos últimos meses a intensos debates sobre as limitações da tributação do comércio internacional on-line por meio de aplicativos e sites, tais como aliexpress e shopee por exemplo, o que levou a regulamentação das referidas compras pela Portaria COANA n. 130/23, que disciplina o Programa Remessa Conforme (PRC) previsto pelo art. 20-A da Instrução Normativa RFB nº 1.737, de 15 de setembro de 2017. No regime trazido pela portaria, a União Federal reduziu formalmente a zero a alíquota de tributação federal das compras efetuadas por pessoas físicas realizadas no exterior junto a pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras, enviadas pelos correios, desde que limitadas a US$50,00, nos termos da Portaria MF nº 612/2023. É preciso analisar a situação, todavia, além da mera literalidade das disposições mencionadas, para que possamos compreender como se dá o diálogo entre o direito e a tecnologia no contexto dos avanços tecnológicos.

Ora, em um enfoque tradicional, a tributação dos fatos econômicos pela Administração Pública passa necessariamente pela existência de uma relação jurídica atrelada a um fato gerador no âmbito do território do estado soberano, salvo no caso da existência de tratados internacionais para casos específicos.

Portanto, na acepção mais clássica do princípio da territorialidade, as leis tributárias somente possuem aplicabilidade no território do respectivo estado que as expediu. Contudo, como proceder em uma operação comercial na internet, quando o comprador está no Brasil, o provedor de internet na América do Norte, o domínio do vendedor na China e o estoque de mercadorias na Índia? Como lidar com a tributação e a segurança jurídica neste multifacetado cenário? 

A Reforma Tributária em trâmite no Congresso Nacional traz alguma luz, prevendo entre outras inovações, a criação de um imposto sobre valor agregado (IVA), a ser cobrado na liquidação financeira de determinadas operações. No novo sistema, o documento fiscal eletrônico atrelado ao instrumento de pagamento permitirá a consulta a toda cadeia de documentos fiscais ligados a operação realizada on line, trazendo segurança jurídica e previsibilidade a toda a cadeia de negociações. A OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) já possui um plano de ação que busca identificar as ações necessárias ao enfrentamento da erosão da base tributária e as transferências ilegais de lucros, com fundamentos que se assemelham bastante às medidas tomadas na reforma tributária brasileira. 

Os caminhos são muitos, nem todos os desafios estão visíveis, e sequer devemos ter a expectativa de que soluções definitivas estão logo ali. Na verdade, nosso ordenamento jurídico não costuma ser ágil na assimilação das inovações tecnológicas, e este caráter muitas vezes refratário não é exclusividade do direito tributário.

Muito antes do surgimento da inteligência artificial, das redes sociais e da manipulação genética, um dos mais célebres magistrados da Suprema Corte norte-americana, Oliver Wendell Holmes (1841-1935), sabiamente afirmou que “impostos são o preço que pagamos para ter uma sociedade civilizada”. Assim, levando-se em conta que a expansão do comércio eletrônico e das trocas online pedem uma adaptação dos conceitos e formas de arrecadação de tributos, na prática estamos diante de autêntica expansão civilizatória, cujas regras precisam ser continuamente aperfeiçoadas.  

Por Paulo Roberto Vigna

Advogado, sócio do escritório Vigna Advogados Associados, Mestre em Relações Sociais do Direito, com MBA em Gestão de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, pós-graduado em Direito Empresarial e em Direito Tributário pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especializado em Gestão de Tributos pelo Instituto Trevisan (São Paulo). É membro efetivo de diversas comissões da OAB e inscrito na seccional na ordem dos advogados do Brasil em São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Minas Gerais, Pernambuco, Distrito Federal e Rio Grande do Sul. Professor universitário e do curso de MBA em Gestão Estratégica Empresarial em São Paulo. É autor de inúmeros artigos sobre temas da sua especialidade.

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