O papel estratégico da mineração brasileira na América do Sul e a transição energética

*Por Manuel Fernandes e Ricardo Marques

A Agência Internacional de Energia (IEA) divulgou o relatório “O papel crítico dos minerais no panorama energético mundial na transição de energia limpa” (The Role of Critical World Energy Outlook Special Report Minerals in Clean Energy Transitions, do original em inglês) que aborda profundamente a importância dos minerais para o sucesso da transição energética. Além disso, o Banco Mundial estima que a extração de produtos como o grafite, lítio e o cobalto pode aumentar em quase 500% até 2050, para atender à crescente demanda por tecnologias de energia limpa.

A China, hoje, é a maior exportadora do mundo desses elementos. Mas, o país asiático começou a adotar normas mais rígidas para a mineração e a exportação desses minérios, abrindo espaço para outros players globais. Nessa pesquisa, foi examinado como o Brasil poderá se beneficiar com essas oportunidades.

Diante desse cenário, durante a 27ª edição da Conferência das Partes (COP), que analisou a situação das mudanças climáticas no planeta, foi reiterada a necessidade de efetuar grandes investimentos para prevenir e mitigar o financiamento climático. Isso impacta diretamente a readequação das matrizes energéticas em todos os países.

A emergência das mudanças climáticas está, portanto, nas miras de governos, do terceiro setor e da iniciativa privada no mundo todo. E aqui estabelecemos, claramente, a relaçãoentre este cenário e a demanda crescente por minerais, inclusive pelas chamadas terras raras. A busca pela redução de emissão de gás carbônico tende a impulsionar a demanda por minerais essenciais à viabilização de tecnologias limpas.

O Brasil é detentor da segunda maior reserva mundial de elementos de terras raras. O país tem cerca de 22 milhões em reservas desses minerais. Esse elemento tem grande importância estratégica na medida em que as baterias de íon lítio serão, cada vez mais, tratadas como uma questão geopolítica pela importância que tem na viabilização de componentes tecnológicos relacionados a energias limpas.

Além das evidentes oportunidades de negócios, as reservas minerais brasileiras podem pavimentar o nosso caminho para um maior protagonismo geopolítico, por meio da conquista de um espaço cada vez mais relevante na pauta energética.

O Banco Mundial reconhece a importância estratégica dos minerais no enfrentamento das mudanças climáticas, tanto que realizou um relatório voltado para ajudar os países em desenvolvimento ricos que detenham fontes importantes de minérios (como é o caso do Brasil) a obter recursos que lhes permitam beneficiar-se da crescente demanda por minerais e metais. Ao mesmo tempo, o objetivo é garantir que o setor de mineração seja administrado de forma a minimizar impactos climáticos e ambientais da atividade extrativa.

Com relação às reservas sul-americanas, o Chile é o maior produtor mundial de cobre; o Peru é o terceiro. A Argentina e o Brasil também figuram entre os 20 principais produtores mundiais desse minério, ocupando respectivamente a 14ª e a 15ª posições da lista. As minas de cobre produzem anualmente cerca de 20 milhões de toneladas de minério concentrado. Em 2021, a demanda de cobre do Chile, maior produtor mundial do mineral, já havia aumentado cerca de 80% em relação ao ano anterior. A Bolívia, a Argentina e o Chile formam o chamado “Triângulo do Lítio”; juntos, os três países concentram cerca de 65% das reservas mundiais do minério.

Detentor da segunda maior reserva mundial de elementos de terras raras, o Brasil tem cerca de 22 milhões em reservas desses minerais, disponíveis principalmente nas areias monazíticas do litoral e em jazidas próximas a vulcões extintos, como nas cidades de Araxá e Poços de Caldas, em Minas Gerais; Catalão, em Goiás; e em Pitinga, no Amazonas. Por se tratar de uma riqueza de difícil obtenção — métodos tradicionais de mineração não são viáveis para a extração de ETRs –, essas reservas ainda não são exploradas. O Brasil também é o segundo maior país produtor de grafite do mundo, superado apenas pela China.

Como se vê, embora a energia limpa seja uma esperança para o controle da temperatura média do planeta, sua viabilização implica no uso intensivo de uma vasta gama de minerais. Para os países sul-americanos, essa necessidade é uma valiosa oportunidade de negócios — e fonte de vários desafios.

O primeiro desses grandes desafios diz respeito à sustentabilidade da exploração desses minerais e, principalmente, à capacidade de as nações sul-americanas atenderem ao aumento de demanda sem que isso acarrete danos ambientais e sociais. A mineração de cobre e lítio, por exemplo, exige o uso de muita água — e cerca 80% do cobre chileno estão em áreas com baixa disponibilidade hídrica.

Outro aspecto preocupante é a falta de infraestrutura adequada à exploração de minérios. Para suprir essa necessidade, são necessários altos investimentos, que nem sempre são viáveis em países que já enfrentam problemas socioeconômicos históricos. Também seria importante revisar as legislações ambientais e tributárias em boa parte dos países sul-americanos, incluindo o Brasil: barreiras regulatórias e pesada tributação sobre os lucros de mineração dificultam a jornada das mineradoras na região e inibem investimentos.


*Manuel Fernandes é sócio líder de energia e recursos naturais da KPMG na América do Sul e Ricardo Marques é sócio líder do segmento de metais e mineração da KPMG no Brasil.

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